A SINFONIA DE RITINHA
Todo dia Ritinha aparecia com um passarinho novo na gaiola. Na área de serviço lá em casa eram cinco gaiolas penduradas. Três cardeais de cabeça vermelha e uma coleirinha baiana. Mansos e obedientes. Ela acordava cedo todos os dias para alimentá-los e eles cantavam que era uma beleza. Curioso era o revezamento: dois cantavam pela manhã e dois à tarde. A perfeita sincronia de Beethoven. Do meu quarto escutava os cantos. Perguntava a mim mesmo: para quem eles cantavam assim? Eu não saberia o motivo; podia apenas dizer que despertavam em mim uma alegria infantil. Ritinha vivia só da cozinha para o quintal, com as galinhas e patos.
Certa tarde de crepúsculo, quando o sol formava um disco alaranjado atrás da montanha, fui ver o que ela estava fazendo. O susto que levei não passou até hoje, pois desconhecia o método que ela tinha de raptar os passarinhos. Entre as gaiolas e alçapões espalhados pelos arredores da casa, Ritinha ficava no meio do quintal, cercada de flores e pitangueiras, com os braços estendidos para o céu, como se rezasse para os deuses. Naquela tarde, um pássaro azul pousou em suas mãos estendidas e ela o acolheu nos seios; era um grande azulão, vindo do céu. Ela sorriu e veio andando em direção a grande gaiola, vasta gaiola; com uma portilha enorme e de fácil abertura.
Fiquei na espreita da porta a observá-la e assim descobri que Ritinha tinha alma de passarinho. Passarinho ela era também, acima de qualquer suspeita, pois não seria possível, creio, que pessoas sem alma de passarinho, consigam, nesta vida, ter a mesma sorte de pegá-los fora das armadilhas.