A ouvinte

Não entedia o que as palavras diziam, mas sabia que eram belas e a entonação dava certa grandiosidade ao discurso. Nesses momentos sentia-se arrebatada como se fora um ser escolhido para o qual aquelas sílabas se dirigiam. Se ela fosse um povo, seria naquele momento, o povo eleito por Deus. Esquecia-se de sua ignorância e da falta de habilidade para com as palavras, pois ali era possível ser uma outra mulher. Como se tocada pelo divino. Quem a olhasse veria em suas expressões o êxtase de Santa Teresa. Entretanto aquele discurso acabava, assim como seu êxtase e ela então voltava a vida cotidiana.

Era uma senhora na casa dos sessenta, daquelas que diziam ter o primário, ou seja, sabia ler o que estava escrito. Era denominada dona de casa, entenda-se: aquelas mulheres que vivem para o marido, os filhos e os chamados assuntos domésticos. Mas na verdade, em seu íntimo, ela dava era para outras coisas: seu dom era entrar em êxtase com as palavras. Digamos que ela nascera para isso e a vida lhe aproveitou mal, tivesse mais condições poderia ela também brincar com as palavras. Ser a dona das palavras.