Conto das terças-feiras – A máquina de costura de minha mãe

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 14 de janeiro de 2020.

Minha mãe tinha uma máquina de costura Singer, com estrutura em ferro fundido e madeira de lei, adquirida por meu pai em 1951. A fenomenal máquina foi colocada no corredor da casa estreita e comprida, localizada à Rua Antônio Augusto, em Fortaleza, Ceará. Ela transformava nossas roupas rasgadas em quase novas. Tive uma calça de meu pai transformada para o meu tamanho, pelas mãos de minha mãe, quando eu tinha apenas oito anos de idade. Ganhei uma calça comprida, em um passo de mágica!

Enquanto ela costurava eu costumava ficar ao seu lado observando os movimentos do pedal e da roda que impulsionava o mecanismo que processava a costura. Ficava horas e horas, em êxtase, vendo aqueles pequenos pés, em paralelos, se movimentarem sobre o pedal, tal e qual uma linda gazela a correr pelo campo, se desvencilhando de um feroz leão.

Quando ela não estava costurando, eu aproveitava e fazia do pedal e da grande roda o meu automóvel, a viajar por estradas desconhecidas e subindo serras e montanhas verdejantes, procurando um belo lugar para construir uma casinha branca e nela morar com meus pais e irmãos. Era minha fantasia preferida, eu conversava durante essas viagens com meus amiguinhos invisíveis. Acho que eu era o único dos filhos que assim brincava. Os três irmãos mais velhos tinham outros afazeres, principalmente os deveres de casa.

Certo dia ouvi meu pai dizer para a minha mãe que eles iriam a um baile, e que a sobrinha dele iria junto. Minha mãe argumentou que não tinha vestido adequado para tal festa. Meu pai respondeu que iria comprar dois cortes de tecido, para que ela providenciasse um vestido para ela e outro para a sobrinha. Isso era uma quinta-feira e o baile seria no sábado. Eu fiquei pensando, será que ela sabe fazer vestido de baile? E dois de uma vez só?

Fui dormir aquela noite intrigado, eu não queria que minha mãe fizesse um vestido feio e que ela também ficasse feia. Eu iria chorar muito. No dia seguinte, sexta-feira, muito cedo ainda, um garoto que ajudava o meu pai em seu trabalho veio até a nossa casa e entregou um embrulho para minha mãe. Eu já estava acordado, na expectativa de conferir os cortes de tecidos, se eram bonitos, e presenciar o início da feitura dos dois vestidos. A sobrinha de meu pai dormira aquela noite em nossa casa. Ela iria ajudar a minha mãe.

Depois de tomarem o café da manhã, os trabalhos tiveram início. O primeiro passo foi colocar um dos cortes de tecido sobre a mesa do jantar. Acho que a mamãe já tivera aula de corte e costura, pois sua desenvoltura no manuseio do tecido era nota dez. Ela começou pelo vestido da nossa prima. Tira medida daqui, anota num papel, tira medida dali, anota no papel e assim correu a metade da manhã. A outra metade foi para desenhar em uma grande folha de papel, as diferentes partes do vestido em construção. Feito isso, a máquina foi aberta. Minha mãe, com precisão absoluta, fez passar a linha pela agulha e ajustou a posição da primeira parte a ser costurada. Eu não perdia um lance, ora olhando para a tesoura, ora olhando para as suas mãos, ora para o seu semblante, que transpirava alegria, satisfação. Ao seu lado uma revista de moda, com uma página aberta mostrando dois vestidos. Eu não sabia dizer qual deles era o de minha mãe, elas tinham o mesmo corpo, magrinhas e delicadas.

Depois do almoço, as duas retornaram ao “ateliê” improvisado, corta aqui, corta ali, costura aqui, costura ali, e, finalmente, o primeiro vestido ficou pronto. Um azul turquesa – depois que vim saber sobre essa cor. Pensei comigo, este deve ser da prima, é a cara dela. O outro era um tecido meio grosso, armado, preto e fosco, com fios dourados distribuídos em linhas paralelas, enviesadas, que se estendiam de cima a baixo, no comprimento. Intercalavam fios metálicos de cor azul, no mesmo sentido. Para mim, muito mais bonito que o azul turquesa.

Dado o adiantado da hora, fui dormir sem ver a conclusão do outro vestido. Mas estava satisfeito, porque tinha certeza de que, daquelas frágeis mãozinhas, iria sair uma obra prima. No outro dia, sábado, fiquei sabendo que elas haviam trabalhado até às duas horas da manhã. Quando a prima abriu o seu quarto, consegui ver os dois vestidos pendurados em cabides separados, dentro do guarda-roupa.

Minha mãe e a prima, na tarde do sábado, foram pentear os cabelos e se maquiar em um salão perto de nossa casa, só voltaram à noitinha. Minha expectativa era ver minha mãe garbosamente vestida em sua mais perfeita obra. Eu sabia que meu pai se sentiria orgulhoso dela, de sua beleza e elegância. Quando a vi vestida parecia princesa, que acabara de ser pedida em casamento por um príncipe.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 14/01/2020
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