Conto das terças-feiras – Um caso policial
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 7 de janeiro de 2020.
Período de férias escolares, os pais de Rubens também haviam tirado férias para viajar com o filho, como sempre faziam. Foram para uma cidade litorânea situada ao sul do estado do Rio de Janeiro. Passariam por lá uma semana, para isso alugaram uma casa com piscina, confortável e espaçosa, em frente ao mar. Junto, acompanhava a família do senhor Osvaldo, proprietário de uma média fábrica de calçados, na região de Novo Hamburgo, RS.
O primeiro dia, um sábado, transcorreu normalmente. No domingo as duas famílias programaram uma ida a uma ilha distante 1h30 de Angra, de barco. Enquanto pais e filhos se preparavam para o embarque, o senhor Osvaldo percebeu um adolescente, estranho ao grupo familiar, rondando o pátio da casa alugada. O adolescente tentava chegar perto de uma mesa, na qual avistara um celular. Na tentativa de apanhá-lo foi surpreendido pelo senhor, que de pronto soltou um grito, assustando o garoto. O homem se encaminhou para próximo do adolescente e, ameaçando que atiraria nele colocou-o para correr, dizendo que não olhasse para trás, caso contrário levaria um tiro – o senhor nem uma arma possuía, era só para assustar mesmo. O garoto afastou-se dali, correndo, sem levar nada.
Depois do belo e descontraído passeio pela ilha, a turma voltou para casa. Já no píer, o senhor Osvaldo notou a presença de três policiais e outro homem que parecia ser um delegado, pelo distintivo. Eles pareciam procurar alguém. Um deles apontou para o senhor Osvaldo que, temeroso, procurou disfarçar e sair pelo lado oposto ao dos policiais, conseguindo desvencilhar-se de seus prováveis perseguidores.
Ao chegarem próximo à casa, percebeu os mesmos três policiais sondando a mansão alugada. Parou o carro e pediu que a esposa continuasse dirigindo, pois lembrara que havia ameaçado um garoto que tentara furtar o seu celular que estava sobre uma estante, localizada próximo à porta principal da casa. Sem maiores explicações desceu do carro e seguiu margeando o muro da casa, procurando não ser visto pelo quarteto de policiais. Queria com isso acessar o quarto onde estava instalado, trocar de roupa, pois estava com a mesma que usava quando assustou o garoto, para não ser reconhecido por ele.
Não teve jeito, já no quarto foi abordado pelos policiais, que na truculência invadiram a casa – não tinham mandado judicial para a diligência –, vasculharam todas as dependências da casa atrás de armas e drogas e só então conduziram o senhor Osvaldo até a delegacia mais próxima. Chegando lá ficou sabendo que ele seria preso preventivamente para averiguações, sobre um espancamento e ameaça de morte a um menor, que se encontrava hospitalizado. Horrorizado, o homem tentou esclarecer o ocorrido, mas não foi ouvido. No Boletim de ocorrência havia depoimento de pessoas narrando o ocorrido com o garoto. Ao inquérito, o delegado acrescentou ter encontrado uma arma e drogas nas dependências do imóvel visitado. Uma prova forjada pelos policiais.
Os familiares do senhor detido tentaram entrar em contato com ele, o delegado não permitiu, informando que ele ficaria incomunicável até elucidação do caso, só arbitrariedade. Foram então procurar um advogado na cidade, como era domingo, as coisas estavam mais complicadas. Os que atenderam ao chamado da família alegavam que não estavam na cidade. Um deles até falou que conhecia o caso, pois fora comentado pelos repórteres de plantão no hospital, e que o garoto era filho de um traficante de drogas da região, que dominava parte da cidade, até a cúpula da polícia.
Nem a mídia local conseguia falar sobre o caso do gaúcho preso injustamente. Só falava do pré-adolescente no hospital. Não se preocupava em descobrir a veracidade das escoriações e hematomas impressos no corpo do garoto, os médicos e hospital estavam coniventes, por meio de fotos anexadas ao boletim médico juntado ao BO. O garoto também se encontrava incomunicável, só alguns poucos familiares tinham acesso ao local onde se encontrava a falsa vítima.
Na madrugada do mesmo dia, na delegacia onde supostamente encontrava-se detido o senhor Osvaldo, foi emitido um comunicado informando que o referido senhor não dera entrada naquele local, encontrando-se, provavelmente, sob a guarda da polícia militar, confundindo todos os interessados no assunto, principalmente a família. Infelizmente o homem desapareceu, como mágica, da cidade balneária.