Um desejo alcançado

Passou muitos anos até aquele esperado momento. Djuena, cabeça erguida, acompanhava com o olhar aquele símbolo sagrado para ela. Com as mãos, movia vagarosamente aquela corda, enquanto a flâmula brasileira subia ao som do hino nacional. Ao comando militar, cada um conforme sua hierarquia, continenciava a bandeira. Uma mistura de sensações se juntava ao orgulho do momento e juntos provocavam timidamente a queda de uma robusta lágrima que banhava silenciosa o rosto da jovem mulher.

Via-se no passado... Lembrava-se das horas cívicas promovidas na antiga escola. A professora ainda em sala, falava sobre a importância do hino nacional, sobre a responsabilidade de quem hasteia a Bandeira, e depois de um acalorado discurso, a bela professora deixava os alunos com o desejo de serem escolhidos para hastear o pavilhão nacional, e saia dizendo:

_Mais tarde voltarei aqui para anunciar os escolhidos.

A turma ficava em festa. Todos queriam participar do momento, mas apenas três seriam agraciados. Djuena talvez fosse daquela turma a que mais dava importância à cerimonia.

A professora na sua sádica candura depois de alguns minutos ausente adentrava a sala perguntando:

_Quem quer hastear uma das bandeiras hoje?

A turma, num eufórico brado, gritava: EEEEEU acompanhadas pelos bracinhos levantados, que identificavam os interessados.

Djuena lá no cantinho da sala também levantava seus bracinhos, mas não gritava. Tinha vergonha, medo, sei lá, nem ela sabia o que sentia. Mesmo que levantasse os bracinhos mil vezes, a professora fingia não enxergar.

Dona Stella não escondia sua preferência:

_Venha você Marizete. Você também Aristides, você Terezinha!

Talvez D. Stella nem imaginasse como sua perversidade disfarçada de afeto machuca o coraçãozinho da pobre Djuena.

Após a aula, o caminho servia como confidente para a menina. Conversando com ele, ela ia perguntando: por que não havia sido escolhida?... Um dedinho de raiva por seu pai servia de desculpa para o momento.

Ela não entendia por que o pai havia saído da aldeia para ir morar na cidade. Se estivesse ainda na aldeia, nada daquilo teria acontecido. Lá ela se sentia mais feliz. Aqui ela parecia, aos olhos dos outros, um ser de outro mundo. Tudo lhe era estranho, principalmente a fala. Mesmo que se esforçasse para falar bem o português. Sua língua impregnada em seu ser se misturava à nova e tudo o que falasse, causava o riso demorado das outras crianças.

Djuena franzia a testa desaprovando o riso, mas ninguém ligava. Se houvesse uma máquina de raio-x da alma, o resultado seria descontentamento e dor.

Passado doze anos. Djuena havia vivido muita coisa na cidade. Entre choros e sorrisos, comuns à vida de qualquer mortal, ela já tivera algumas decepções e vitórias, entre elas ter concluído o ensino médio, entrar para aeronáutica, ter se tornado a primeira piloto mulher e indígena da aeronáutica brasileira. Mas nenhuma conquista era maior do que aquela do exato momento: hastear o pavilhão nacional.

Para muitos militares poderia ser um ato normal, comum, mas para a jovem tenente era a realização de um sonho de toda uma vida. Sonhos são assim, não tem exatamente uma escala de importância, mas têm um valor imensurável.