Conto das terças-feiras – Revivendo os natais
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de dezembro de 2019
Por vezes, ao olhar-me no espelho, vejo sempre o semblante de meu pai, embora jamais tenha imaginado tal semelhança quando criança, adolescente e mesmo já homem feito, casado. Fui reconhecê-la depois de sua partida para a eternidade. Nessas ocasiões eu tento retroagir da minha maturidade à minha mocidade, voltar à minha infância, como recomendou Rui Barbosa, procurando encontrar os momentos felizes que com ele vivi.
Nessa época do ano, tempos festivos, Natal, passagem de ano é a que mais gosto de lembrar. Nossa família era composta de pai, mãe e oito filhos, sendo seis homens e duas mulheres. Quando crianças e adolescentes, não havia problema em nos reunirmos em um só ambiente, estávamos sempre ali, na mesma rua, sob o mesmo teto, todos juntos.
Os presentes de Natal, na infância, eram adquiridos e guardados em lugares desconhecidos, às vezes até em casas dos vizinhos, só disponíveis na noite do dia 24 de dezembro, enquanto dormíamos, uma maneira de preservar nossa ingenuidade acerca do bom velhinho de barba branca e roupa vermelha, que na véspera do Natal, descia pela chaminé – nós não tínhamos uma, mas acreditávamos nisso – para deixar nossos mimos sob nossas camas ou redes. Lembro-me até hoje de um dos presentes mais queridos que ganhei, um ônibus de metal, amarelo, mais moderno do que os que trafegavam pela Rua Pinto Madeira, no bairro da Aldeota, Fortaleza. Mais recentemente, ao saber dessa minha paixão por esse brinquedo, minha esposa deu-me de presente uma réplica, que guardo com carinho na estante frente à mesa do computador.
Após a adolescência, aos poucos os filhos foram saindo de casa. Primeiro o Eduardo, carinhosamente chamado de Dadinho. Foi cursar a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, onde hoje se localiza o Colégio Militar de Fortaleza. Terminado os seus estudos na EPCE, seguiu para a Academia Militar das Agulhas Negras, AMAM, em Resende, Rio de Janeiro, saindo aspirante a oficial, chegando a Coronel do Exército Brasileiro. Em seguida, o Roberto, irmão mais velho, como Engenheiro Agrônomo foi trabalhar no Instituto Biológico de São Paulo. Algum tempo depois, aceitando convite do mano Roberto, foi a minha vez de sai e ir para São Paulo, estudar. O Aloisio Filho casou-se e foi morar em sua casa. Permaneceram em casa Simone, Humberto, Antônio Augusto e Silvinha. Mesmo assim, nosso pai fazia questão que todos estivessem presentes nas festas de Natal, que ele gostava de organizar.
À medida que o tempo passava, a família ia crescendo, primeiro foram as noras, depois o genro, os netos, em número de 22, a casa ficava cheia, nosso pai era uma satisfação só. À noite, sentado em frente da árvore de Natal, usando um gorro vermelho, semelhante ao do bom velhinho, ele fazia a entrega da troca de presentes, agora não mais trazidos pelo Papai Noel, mas adquiridos pelos membros da família. Mesmo assim, a festa não perdia seu brilho, seu encanto, cada ano, novos netos apareciam. O encontro entre os irmãos era uma festa para os olhos de nossos pais. Enquanto ele se preocupava em manter a dispensa cheia, principalmente com refrigerantes, mamãe preparava deliciosas refeições, satisfazendo todos os gostos, arrumava a casa e procurava agradar a todos, sem distinção, com seu sorriso meigo e alegria estampada no rosto. Simone era a responsável pelas sobremesas, preparava: pavê, mousse de abacaxi, manjar de ameixa, pudim de leite e outras delícias.
Sei hoje, que era uma semana ou duas que tirávamos o sossego dos dois, desarrumávamos as suas vidas, mas eles não demonstravam aborrecimento, pelo contrário, a casa respirava alegria. O adeus ao final das férias eram um suplício. Para quem partia e para quem ficava, muitas vezes observei os dois, na calçada, acenando para nós até o nosso carro dobrar a esquina. Eu partia com o coração angustiado, principalmente nas primeiras vezes, preocupado se no próximo ano isso poderia não acontecer. Graças a Deus foi possível conviver com eles por muitos natais.
Em nossa casa, quando não podíamos comparecer a essas confraternizações, Uilma, minha esposa, era quem fazia as vezes de Papai, digo, Mamãe Noel. Eu não tinha coragem de representar esse papel, a saudade não deixava. Ela continua fazendo isso até os dias de hoje, agora não mais em nossa casa, mas na da filha Roberta. Revivendo essa tradição familiar, nossos filhos procuram sempre estar presentes, com os nossos netos, genros e nora. Alguns vêm de longe. A alegria é a mesma, só que com pouca gente, somos uma família pequena. A brincadeira da escolha do amigo secreto, a troca de presentes, agora é decidida pela tecnologia, por meio de um aplicativo da internet. Os tempos mudaram, mas as lembranças continuam povoando nossas memórias. Até quando vai perdurar? Não sei!
Feliz Natal para todos os membros da página Recanto das Letras