Conto das terças-feiras – Quem traiu quem?

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 17 de dezembro de 2019

Carlos Eduardo e Soninha, era assim como ele a tratava, namoraram por mais de quatro anos. Conheceram-se no penúltimo ano do científico, ensino médio. Todos diziam ser o casal perfeito, que nasceram um para o outro, “é lindo ver o amor de vocês”, falava a mãe de Carlos. Já a mãe de Soninha detestava o rapaz, não o recebia em casa, achava-o um cafajeste, um homem daquele, bonito e de boa família, só poderia ter muitas mulheres em sua volta. Por isso, ela também não gostava da filha. A recíproca era verdadeira, o bonitão também não gostava da sogra, a quem chamava de jararaca, sem ela saber, é claro.

O moço era realmente um venusto, apolínico, garboso mesmo, dizia uma idosa senhora, vizinha do mancebo. E completava, “ah meus quinze anos!”. Todas suspiravam à sua passagem, no colégio que os dois estudavam, elas desprezavam a Soninha, uma garota sem sal, e se perguntavam, o que ele via naquela garota “feia e magricela?” A inveja cavalgava livre, a menina assim tratada tinha belo rosto, corpo escultural, elegante, mas pobre, o que elas não perdoavam. Para esse colégio da classe alta, a Soninha ganhara bolsa de estudo, integral, do patrão da mãe, um político apaixonado pela garota e casado. A paixão escondida sob manto da bondade, não passava despercebida pela mãe da garota, que procurava tirar proveito da situação. Ele tinha muitos inimigos na política e fora dela. Já tinha sido jurado de morte.

Prevendo melhores dias para ela, dona Eulália, mãe de Soninha arquitetara um plano para afastar Carlos de sua filha e a patroa do marido. Solicitou ao patrão que mandasse o motorista da casa apanhar a garota na Faculdade, ela cursava Administração à noite, curso também pago pelo mesmo homem que pagara todo o estudo no colégio da elite. O namorado viajara mais uma vez, como sempre fazia às quartas-feiras, mistério não desvendado pela namorada. A mãe de Soninha não podia buscá-la, a garota não gostava de voltar para casa tarde da noite sozinha. O namorado cumpria sempre esse expediente quando na cidade. Esse fora o motivo inventado pela senhora para o pedido ao patrão. O desejo era colocar a filha nos braços do homem de mais influente da cidade.

Enorme alegria tomou conta do coração apaixonado do político. Sua mulher fora dormir na casa de sua mãe, que se encontrava doente. Essa também não morria de amores pelo marido, pelas traições que o sujeito lhe fazia. Caiu-lhe “a sopa no mel”, pensava o astucioso homem público. De hoje não passa, saltitava ele de contente, não haveria testemunha para censurar o seu comportamento. Sua filha saíra com o namorado para uma festa. Joaquim, o motorista da casa pedira permissão para viajar, era início de mais um fim de semana. Na verdade, ele iria procurar emprego, não gostava do patrão, pela sua arrogância e maus tratos, e por pagar-lhe apenas a metade do salário, pago pela Câmara. Então, só ele poderia socorrer a sua protegida naquele momento.

Mais que depressa, tomou banho, perfumou-se todo e foi ao encontro de Soninha. Ela sabia que alguém iria apanhá-la, sua mãe sempre providenciava transporte em dias como esse. Surpresa ficou por conta da chegada do senhor Petrônio, que ela respeitosamente chamava de doutor. O homem parou seu carro à pouca distância da estudante, que prontamente reconheceu o luxuoso carro do patrão de sua mãe. Pensando ser ele dirigido pelo motorista, já foi abrindo a porta da frente e sentando, no que foi tomada de surpresa por ver na direção o senhor Petrônio, que ela respeitosamente chamava de doutor. Assustada a garota pediu desculpa e tentou se recompor, pois a saia curta deixara-lhe as coxas completamente expostas.

O homem a desculpou dizendo que fora sua mãe quem pedira para ir buscá-la. Como o Joaquim não estava em casa, ele resolvera fazer essa caridade. No trajeto para casa eles conversaram bastante, isto é, Petrônio fazia-lhe mil perguntas, ela respondia ora sim, ora não. Soninha, desconcertada com aquela situação, não percebera que o político tomara direção contrária à sua casa. Assustou-se quando um portão se abriu e o carro começou a trafegar por uma alameda com plantas e flores de um lado e do outro. O motorista do luxuoso carro sabia o caminho a tomar, já estivera ali muitas vezes. O veículo entrou no que parecia uma garagem, o homem desceu e solicitou que ela também descesse.

Uma porta se abriu e lá dentro a jovem percebeu uma cama redonda, sobre ela uma bandeja com uma garrafa de vinho e duas taças, ao lado frutas e queijos. Tudo preparado com requinte e bom gosto. Aquele ambiente lhe era familiar, seus encontros, não com o noivo, mas com um amigo dele, aconteciam em locais semelhantes. Já acomodados na cama, de repente explodem flashes vindos de máquinas fotográficas. Alguém preparara uma armadilha para um dos dois ocupantes daquele quarto de motel.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/12/2019
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