Não preciso de ninguém!

A jovem senhorita é convocada, do mundo dos sonhos ao mundo real, pelo toque eletrônico de sua canção favorita; canção esta que foi composta, arranjada e tocada por muita gente inspirada e que arriscou suas carreiras pelo sucesso.

Levantando-se preguiçosamente da cama, vai ao banho quente, proporcionado por uma intrincada rede de engenharia hidráulica e elétrica, despertando-a para a batalha do dia-a-dia.

Vestindo-se elegantemente em trajes de malhas finas, tecidas por costureiras caprichosas e máquinas modernas, idealizadas por algumas das melhores mentes da indústria têxtil, enfim sente-se pronta para ganhar as ruas.

Dirigindo pelo trânsito que, não obstante suas dificuldades, lhe garante fluidez graças à engenharia de tráfego pensada cotidianamente por muitos agentes públicos e privados, segue apressada, passando aqui e acolá nas brechas que vai conquistando. Só neste dia, escapou de duas colisões por intermédio da perícia dos outros motoristas que, na marra, deram passagem às manobras arriscadas da empoderada mulher.

Chegada ao trabalho, numa empresa multinacional cujo crescimento além das fronteiras de sua pátria natal só foi possibilitado por conta da ambição e determinação dos fundadores; e que se mantém, em margens arriscadas na imprevisível economia, sob os auspícios de administradores competentes e acionistas crentes de seu sucesso, a senhorita mal imagina que sua vaga de emprego é sustentada por essa complexa rede de inumeráveis colaboradores.

Na hora do almoço, vai ao restaurante do outro lado da rua e pede um filé com fritas. Filé e fritas esses que lhe chegam suculentos ao prato após o trato moderno da terra, enriquecida pela genial fixação industrial de nitrogênio, que revolucionou a alimentação e permitiu que esta moça se mantenha bela e nutrida para voltar ao trabalho.

Ao final de mais um exaustivo dia, a jovem sente-se cada vez mais próxima de sua promoção, inserida no contexto, já exposto acima, de crescimento sustentado da empresa. Esperançosa, volta para casa, tamborilando os dedos no volante do fabuloso veículo, composto de várias invenções e patentes desenvolvidas ao longo da história da indústria automobilística, cujos padrões de segurança e inovação garantem o funcionamento confiável da máquina, levando a mulher, sem maiores percalços, até sua residência, onde pode finalmente repousar.

Antes de dormir, a moça faz uma oração ao Onipotente, que criou todas as coisas de forma generosa. E, ao deitar sua cabeça perfumada por xampus e cremes idealizados por avançadas pesquisas farmacêuticas, que empregam e estimulam os estudos de um sem-número de homens e mulheres, tem seu último pensamento, frouxamente refletido, mas que se baseia em suas conquistas e profundas convicções que a deixam orgulhosa de si: “Não preciso de ninguém!”

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 12/12/2019
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