Ele vem

Ana voltava de mais um dia de trabalho, cansada das faxinas diárias e de carregar uma pesada sacola de compras, doíam-lhe os braços e as pernas, hoje o serviço foi mais pesado, foram mais duas casas; mas ela vinha com uma sensação de completude que lhe enchia o peito, satisfeita porque com o serviço a mais pode fazer as compras da semana e trazer um mimo para o filho Pedro: "Sorvete de tapioca, ele ama. Ainda bem!", pensou Ana, "Porque é o meu preferido também", sorriu feliz, aconchegada na sabedoria de uma jovem mãe que faz tudo o que pode para criar sozinha um filhinho de cinco anos. Enquanto Ana caminhava na estreita ponte de madeira que a conduz até sua casa, os vizinhos a saudavam com: "Boa tarde, Ana!", "Oi, Aninha. Como está o Pedrinho?" até que chegou um dos rapazes da vinhança e pegou a sacola da mão de Ana, "Dá isso aqui, Aninha. Eu levo pra ti!", "Obrigada, Luizinho. Os braços já estavam doloridos!".

A poucos metros de casa, Ana avistou Pedrinho sentando à porta, descalço, sem camisa, só com o shortinho vermelho da escola. A mãe ficou feliz ao vê-lo, felicidade que só mãe sente quando vê um filho, depois de passar um dia inteiro fora, no trabalho. Mas também sentiu um frio na barriga, ela não gostava nada de ver o filho sozinho próximo ao rio, tinha medo que ele caísse da ponte e não houvesse ninguém por perto para socorrê-lo; "mas por ali havia sempre alguém por perto", pensou, "e ele deve estar encantado com as luzes que a Dona Maria colocou na frente da casa". Era início de dezembro e as pessoas começavam a decorar suas casas. Ana também pensou em arrumar a árvore de natal, mas não naquela noite, pois estava mesmo cansada.

Ao chegar à porta de casa, Ana chamou o filho e a abriu os braços a espera de um abraço, mas ele nem se mexeu do lugar. Ela achou estranho, chamou o filho mais uma vez, mas ele disse que não podia, pois estava a espera dele. Ana estranhou, pensou que o filho falava do avô, que sempre ia visitá-los no natal, mas ainda estava cedo para ele ir. "Filho, o avô não vem hoje!", disse, sentando-se ao lado do menino, "Não é o avô, mãe. É o Papai Noel!", disse o menino cheio de entusiasmo, "Ele vai trazer um brinquedo pra mim", "Mas filho, a mãe já disse que vai te levar para ver o Papai Noel, mas não é hoje. O Papai Noel não vem aqui na rua. Ele é muito ocupado. Vamos para dentro. A mãe trouxe sorvete de tapioca", argumentou a mãe sem sucesso. "Não, eu vou ficar aqui. Ele vem! A tia disse que ele vem.", insistiu o menino. Ana chamou a irmã para saber do que o menino falava. A irmã disse que desde que chegou que ele falava a mesma coisa, " A tia disse que o Papai Noel vem hoje trazer um presente pra mim." e não saiu da porta desde que chegamos.

Ana pensou no que a Professora fez, como ela pôde mentir para uma criança, colocar esperança em um coraçãozinho tão puro, ele acreditou nela. Ficou tão magoada com aquela situação, de ver o filho tão convicto a espera de algo que não iria acontecer, sofria por ele. Pensou que iria logo pela manhã falar com a professora e exigir uma explicação, mas, naquele momento teria que arranjar uma solução que não magoasse o filho. Foi quando ouviu o filho gritar "É ele. É ele!", a mãe olhou e viu um Papai Noel magrinho, carregando com certa dificuldade dois enormes sacos vermelhos, "Tão magrinho, a crise deve ter chegado pra ele também", pensou Ana. Ele era seguido por mais três outros jovens também vestidos de vermelho, cada um com uma sacola. O Papai Noel magrinho aproximou-se dos dois e perguntou se poderia ficar na casa deles para distribuir os brinquedos às crianças, pois seria difícil na estreita ponte. Ana olhou nos olhos dele e reconheceu a professora do seu filho. Ela logo levantou-se da escadinha que dava para a entrada da casa e acenou positivamente com a cabeça: "Claro que sim, entre, Papai Noel!". Pedrinho mal podia crer que o Papai Noel estava na sua casa, ria feliz e dizia a mãe: "Eu não disse que ele vinha!.

Ana acomodou a professora, digo o Papai Noel, e seus assistentes, enquanto uma longa fila de crianças se formava em frente a sua casa. Ela olhou em volta e pensou que a professora hoje trouxera uma lição para ela também, a lição de que é preciso alimentar a esperança, é preciso sonhar.