Conto das terças-feiras – O menino que queria ser Prefeito

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 10 de dezembro de 2019

Gilberto era um garoto muito esperto, curioso e ambicioso. Desejava ser rico, para ajudar as pessoas mais humildes e a sua família, composta de pai, mãe, uma irmã e quatro irmãos. Não gostava muito de estudar, dizia que era chato e não servia para nada, ele sabia que algumas pessoas eram ricas e nunca estudaram. Era vaidoso e gostava de se vestir como gente grande, isto é, calça comprida e camisa de manga comprida.

Sua primeira calça de adulto herdou do pai. Sua mãe, a pedido do garoto, desmanchou uma calça do pai e atendeu ao pedido do filho. Não ficou perfeita, sobrava pano em uma das pernas, mesmo assim, o garoto a vestia com orgulho. Dos menores, somente ele usava uma calça comprida. A única coisa que o incomodava era a cor da dita cuja, creme, que os irmãos teimavam em dizer que era amarela, só para deixá-lo irritado. Por ser o mais moreno dos filhos, os outros passaram a chamá-lo de “nego da calça amarela”, o que lhe deixava muito zangado, sempre partia para a briga com quem assim procedia.

A sua maior alegria era quando os pais o levavam, junto com os outros irmãos, para passar um fim de semana distante de onde moravam, uma casa estreita e comprida que acomodava a família. Pela falta de espaço, e mesmo pelo costume local, os meninos dormiam em rede, os pais e a irmã dormiam em cama. Isso não era incômodo para ele, apenas os dois irmãos maiores reivindicavam mais conforto, queriam também usufruir do privilégio da irmã, dormir em camas individuais. Entre as lembranças de Gilberto, tinha a promessa do pai em mandar construir mais um quarto na casa, utilizando-se do forro do quarto da irmã. Foi um transtorno, mas esse quarto saiu, sendo o seu acesso por uma escada de madeira. Essa escada ocupou uma parte do espaço onde eram estendidas as redes dos outros dois filhos. Gilberto sentiu-se incomodado e pediu para dormir na sala de jantar, sendo ali colocados dois armadores de rede, que deixou o garoto contente, pois ganhara um espaço só seu, para o descanso noturno.

Em um dos passeios de final de semana, a família foi para a casa de uma prima do pai, na cidade de Maracanaú, Ceará, distante de Fortaleza 36 Km. Era costume ir para essa cidade, por ser ela muito agradável durante o período pós-chuva, também conhecido como “pós-estação”, quando as temperaturas, no Ceará, tendem a experimentar leve redução. Para os habitantes locais, a época mais “fria” do ano, época quando o avô dos meninos, correndo do calor da capital, se abrigava na aprazível Maracanaú, que na língua tupi significa “rio das maracanãs”, pela junção dos termos “marakanã” e “y”, da palavra rio.

A ida era sempre de jipe, a estrada era complicada, principalmente em período de chuva. O pai à frente, junto ao motorista. A mãe, na parte posterior do veículo, protegendo os outros filhos. A acomodação nessa parte do automóvel era: a mãe, tendo ao seu lado a filha e o filho mais velho. De frente para esse grupo se acomodavam o segundo filho, que tomava conta dos dois irmãos mais novos. Gilberto, sentado sobre a porta traseira, viajava sempre com uma das pernas do lado de fora, que lhe proporcionava maior segurança. Dizia estar apreciando a paisagem, bastante verdejante naquela época. As cidades, por essas bandas, ainda não apresentavam densidades demográficas que exigissem a desfiguração de seus paisagismos naturais. Não existia fiscalização do departamento de trânsito para esse tipo de transporte quanto à acomodação dos passageiros.

Durante o retorno de uma dessas viagens, Gilberto encantou-se com um belo lugar, que se descortinava à sua frente. Ao perguntar para o pai o nome daquele lugarejo, ficou sabendo tratar-se de Pajuçara, um distrito do município de Maracanaú. Completando sua intervenção, ele acrescentou “um dia ainda serei prefeito desse lugar!” Todos riram da pretensão do garoto, ele não se fez de rogado, acrescentando: —vocês vão ver! A partir dessa data ele passou a ser gozado pelos irmãos, que o chamavam de “Prefeito da Pajuçara” ou então “nego da Pajuçara”. Para a primeira alcunha, ele não se importava, ficava até satisfeito e sorria. Quanto à segunda, ele continuava chamando os irmãos para a briga.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 10/12/2019
Reeditado em 13/12/2019
Código do texto: T6815201
Classificação de conteúdo: seguro