MEUS BONS TEMPOS DE ESCOLA.

Me lembro bem dos meus tempos de escola. Que saudades!!! Tinha um garoto na quinta série, o Samuquinha. O nome dele era Samuel Rocha da Gama. Rocha na grama, como brincava a turma do fundão, com o sobrenome do garoto magrelo. Todo mundo tinha apelido. Não exista bullying. Isso veio tempos depois. O meu apelido era Woodstock. O Paulinho encanou que meu topete de cabelo lembrava o passarinho amigo do Snoopy. O apelido pegou. Se ficar bravo pega mesmo!!! O Samuquinha era tão magro que dava pra contar as suas costelas. Pudera, era filho de pai desconhecido, ou melhor, sumido. O velho Odair saiu pra comprar cigarros e nunca mais apareceu. Deixou a dona Mara cuidando de quatro filhos, entre eles o Samuquinha. O garoto vivia fazendo desenhos bizarros. Bairro de periferia. Todos pobres, sem vale gás ou bolsa família. Ruas de terra vermelha. Água só na bica do parque Ideal. A turma roubava goiabas das chácaras. Passava trotes no telefone público, os antigos orelhões. Como a maioria, eu não tinha uniformes. Frequentava a escola de calção e chinelos. Um ou outro, de família com mais posses, ia de Kichute ou tênis Bamba. Minha borracha era uma tampa de vidro de remédio. Apagava e rasgava a folha. Trabalho de escola na biblioteca do centro da cidade era uma festa. Quatro horas copiando textos nas folhas de papel almaço. O Samuquinha desenhava as capas. Sabia fazer umas letras bonitas. A merenda do intervalo das aulas era, pra muitos, a única refeição diária. -"Que cheiro gostoso, fessora!!!!" O Samuquinha gostava de cheirar as folhas de prova, ainda com cheiro de álcool do mimeógrafo. -" Deixa secar, moleque. Vou fazer você ajoelhar no milho se ficar desenhando na carteira!!!!" Durante os intervalos a gente jogava futebol de bola de meia ou bolinha de gude. Tinha as brincadeiras das meninas, tipo esconde-esconde ou passa anel. Minha turma tinha o Gordo, o Orelha, o Quatro Zóio, a Olívia Palito, o Everaldo e o Periquito. Torneio de futebol de salão da escola. Perdemos de seis a um pra quinta série B. Aquela bola era muito pesada. Arrumamos briga pro jogo terminar e a gente não perder de mais. O Samuquinha sempre ia pra casa quando tinha dia de combate a piolhos na escola. A gente zoava muito pois o moleque saía com o cabelo fedendo e branco de veneno Neocid. Durante o hino nacional, o Espeto encanou com o pobre do Samuquinha. Ficava dando petelecos nele, enquanto cantávamos o hino. O Espeto dava três do garoto. Achávamos que a implicância era porquê o Samuquinha viu o Espeto furando o pneu do Fusca Branco do professor Felipe, de geografia. Ledo engano. A Celeste, uma menina sardenta e CDF, nos disse que o Espeto estava gamado na Nelita. A garota gostava era do Samuquinha. O Everaldo já tinha dado uns beijos nela, ao menos era o que ele espalhava. Pelo menos foi isso que a Isadora, amiga dela, nos confidenciou. O Espeto chamou o Samuquinha pra brigar, na saída do colégio. Briga era um acontecimento épico. Era como o rock' Rio. A notícia se espalhou. Começaram as apostas no vencedor da peleja. Os alunos apostavam salgados, geladinhos e balas Chita da cantina. O Espeto liderava a bolsa de apostas. Pudera, era um garoto de doze anos num corpo de dezoito, criado com muito mingau de araruta e biotônico Fontoura. Um touro contra um coelho. As meninas estavam mais ocupadas com troca de papéis de cartas ou figurinhas do Menudo. Não gostavam quando falávamos que o grupo musical era do Rack, Reck, Rick, Rock e Hulk. Engraçado que os briguentos eram amigos antigos. Estavam sempre jogando queimada, empinando pipas ou jogando futebol na rua até a hora do jornal nacional com o Cid Moreira e o Sérgio Chapellen. O Espeto era invejado por ter lápis com tabuada. Ostentação era ter canetinhas hidrográficas Hidrocor ou uma caixa de lápis coloridos da Faber Castell. O círculo se formou pra ver a briga. Samuca quis ir pra casa mas a galera do mal o empurrou para o centro da roda. O Espeto armou o punho. -" Não quero brigar!!!" Disse o medroso Samuquinha. Naquela época não tinha segurança nas escolas, a gente já morria de medo da cara da inspetora de alunos. O Samuca se desviava dos golpes do Espeto. Um empurrão. O Samuca caiu pra trás, ralando o braço na calçada. Até o Espeto fez cara de horror pois aquilo iria arder pra caramba quando passasse Merthiolate!!! -"Quebrou meu braço, maluco!!!" Gritou o Samuquinha. Os dois fizeram as pazes, dois dias depois. O Espeto até escreveu o nome no gesso do Samuca. Seis meses depois, a família do garoto se mudou para Goiânia. -" Meu tio Abelardo tem uma funerária em Goiânia. Minha mãe vai trabalhar pra ele. Vamos ganhar muito dinheiro!!!!" Dizia o matusquela do Samuca, pra riso geral e zoação da turma. Ninguém foi ajudar no dia da mudança. Eu me lembro de ver o caminhão lotado passar pela avenida central. A mudança coberta por uma lona amarela. Vinte e nove anos depois, uma entrevista no Vídeo Show. Os estúdios Disney ofereciam um contrato milionário para um desenhista brasileiro, radicado em Nova York. -" O artista brasileiro Sammy assina com a Disney. Será o desenhista dos desenhos mais famosos do mundo!!!!" Disse o sorridente repórter. -" Sammy está chegando com seu helicóptero. Dizem que passou férias com Michael Jackson e Arnold Schwarzenegger!!!!" A tevê mostrava imagens de desenhos. Não me interessei muito. Eu ia mudar de canal quando o rapaz veio até o repórter. -" Que luxo, Sammy. Vem aí o Oscar pra um desenho seu??! Casamento de luxo com a Demi Moore??" O moço sorriu. -" Não há luxo!! A vida me deu, fui muito abençoado por Deus!! Demi é uma amiga apenas. Na Disney crescem as chances de um Oscar, sem dúvida!!! Sou o mesmo Samuel Rocha da Gama, um lutador, um desenhista!!!" Me deixei cair no sofá. -" Caraca!!!!" Gritei bem alto. Minha mulher veio da cozinha. -" Aluguel atrasado, o gás acabou!!!! A fralda da Maria Valentina também!!!!!" Eu só apontava pra tevê. -" Griselda!! É o Samuquinha!!! Os desenhos dele fizeram sucesso!!! Estudei com ele!!!! Caraca!!! A vida dá voltas, maluco!!!!" Fui conferir depois, nos créditos dos desenhos famosos. Aquelas letras miudinhas nos finais de filmes e desenhos. Em muitos tinha o nome do Sammy. O cara era mesmo fera. O rei dos desenhos. Espalhei a história pra galera no boteco do Marcelinho. Nas eleições para presidente fui até a escola votar. Seção 140. Encontrei vários amigos por lá, gente que não via há décadas. Fiquei admirado. A escola estava linda, com quadra poliesportiva, pintura nova, sala de computadores, biblioteca e laboratório. Fiquei sabendo que o Sammy fazia uma polpuda doação mensal a escola. Ele doara os computadores, bebedouros e outras melhorias. Meus filhos e sobrinhos, estudando alí, seriam beneficiados com tudo isso. Quem diria?!?! Samuquinha famoso, milionário, morando nos States!!! O tempo passa e a gente perde o contato da galera. Tenho um ou outro no Facebook. O Quatro Zóio virou professor de matemática. A Olívia Palito, arruaceira de marca maior, sempre fazendo arte, virou freira. O Espeto é inspetor de alunos, na mesma escola. Casou-se com a Filomena, filha da antiga merendeira. Saiu da escola mas a escola nunca sai da vida dele. O Everaldo virou bombeiro, quem diria! Eu vou levando a vida e a vida me levando, como canta o Zé Rico!!! FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 09/12/2019
Reeditado em 10/12/2020
Código do texto: T6814883
Classificação de conteúdo: seguro