Conto das terças-feiras – Retornando ao passado
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 3 de dezembro de 2019
Os compêndios que narram a história do Brasil, desde o seu descobrimento, contam sobre o encontro e casamento de um náufrago português, Diogo Álvares Correa, com uma indígena brasileira filha do cacique Taparica, de nome "Guaibimpará”, que significa "mar grande”, da tribo Tupinambás, na Bahia. O casamento aconteceu em 30 de julho de 1528, em Saint-Malo, na França. Para se casar a índia brasileira teve que ser batizada, e recebeu o nome cristão Catarina Álvares Paraguaçu. O casal se tornou a primeira família documentada do Brasil e ela reconhecida como a mãe simbólica da nação brasileira. A história dá crédito que o português nascera em Viana do Castelo.
Diogo Álvares passou 22 anos entre os tupinambás, depois de ter sido resgatado de um naufrágio em costas brasileiras. Oito companheiros que com ele alcançaram as praias, foram devorados pelos tupinambás. Diogo adquiriu respeito entre os índios ao disparar uma arma de fogo, daí ser conhecido na tribo pelo nome Caramuru, que significaria “homem do fogo”, “filho do trovão”. Caramuru morreu em Salvador em 1557 e a índia Paraguaçu em 1583, deixando quatro filhas, casadas com colonos portugueses. As gerações seguintes formaram algumas das mais tradicionais famílias baianas, como os Moniz, os da Torre e os Garcia d'Ávila.
Em 2013, em Lisboa, conheci Catarina, portuguesa, amante da história brasileira da época do descobrimento de nossa Pátria, desde os quinze anos. Dizendo-se fascinada pela história da índia Paraguaçu, sonhava em conhecer uma tribo indígena em seu habitat natural. A oportunidade só veio acontecer aos trinta cinco anos de idade. Convidada para participar de uma missão de evangelização em terras dos Kayapó, que vivem no sul do estado do Pará, ao norte do estado do Mato Grosso Catarina aceitou de pronto.
Sua condição de enfermeira, pensava ela, iria ajudar os povos que viviam isolados pela imensa Amazônia. A proposta era fazer levantamento das condições de saúde dos locais, ao mesmo tempo em que outro grupo se encarregaria de evangelizar os não convertidos. Três dias após chegar à primeira aldeia a ser visitada, Catarina foi apresentada às duas figuras mais importante da tribo, o pajé e o cacique. O pajé é o guia espiritual, o conhecedor dos rituais, é quem recebe as mensagens dos deuses. Ele também é o curandeiro, o conhecedor de todos os chás e ervas de cura. O cacique é o chefe tribal, o orientador dos indígenas. Foi esse personagem quem intrigou Catarina. Jovem belo e forte com seu cocar e pintura pelo corpo despertou-lhe forte emoção. Ela lembrou-se de Catarina, a índia, casada com o náufrago português, da história do Brasil. Sua emoção foi tão grande que quase desmaiou. O cacique a segurou em seus musculosos braços, apoiando-a ao seu peito formosamente esculpido. A ação do pajé, ao fumar sobre ela um cachimbo alimentado por ervas secas, a fez recuperar as forças.
O encantamento não acabou com a defumada do pajé. O cacique e a enfermeira encontraram-se no outro dia, logo pela manhã. Convidada para conhecer a aldeia, os dois caminhavam devagar, ele informando sobre a organização da vida dos índios. Ela apenas olhava, deslumbrada com aquela figura ao seu lado, o seu porte atlético, sua maneira delicada de falar e de andar, tudo lhe despertava admiração. De vez em quando ela percebia que ele também estava se encantando com a sua presença naquele lugar rústico, porém bastante organizado.
Depois de duas horas de andança, sentaram-se em uma pedra, debaixo de uma frondosa árvore. Os olhares se encontraram, ela tomou a iniciativa e se chegou para mais próximo dele, seria ousadia, pensou ela. O perfume da moça o inebriou, ele a puxou para mais próximo de si e, com sofreguidão procurou aqueles lábios carnudos e coloridos de vermelho. Foi o primeiro beijo de muitos que se seguiram. A enfermeira voltou para Portugal depois de cinco anos, levando o seu cacique e filhas, como a Catarina da história brasileira.
Convidado para visitá-la em sua residência, constatei que o cacique já não mais usava cocar, vestia-se como europeu e ensinava às suas quatro filhas, de dois, três, cinco e seis anos, os costumes e cultura de sua tribo.