MInha Autopsicanálise-Parte II

Sim , meus "grilos na cuca", como se dizia antigamente, não foram embora, só aumentaram. Disse que nunca mais iria num psicanalista, mas fui ( na imaginação)

Em outro 31 de fevereiro, lá fui eu novamente ao consultório. O homenzinho mostrou um leve surpresa, pois os terapeutas são treinados em não demonstrar sentimentos. Deitei-me no sofá novamente, na ausência de divã.

-Podemos começar?

-Sim, assenti.

Agora vinha com a intenção clara de desafiá-lo e tirá-lo do sério; quando as pessoas não conseguem vencê-lo nos argumentos, ficam bravinhas; se ele ficasse, teria vencido. Pagaria qualquer preço para desmascarar essa "ciência dos sentimentos".

-Pois bem, comecei eu; era tímido e usei essa mesma frase ao iniciar um seminário na classe, conseguindo uma risada da turma- a psicanálise trata dos indivíduos, quer dizer, o problema estaria neles, que, segundo essa teoria, não se esforçam para melhorar, para serem desinibidos; quer dizer, se uma pessoa é tímida e acabunhada; dizem simplesmente: "não seja tímido; você não quer participar desse mundo encantado?" Quer dizer, se eu quiser ser um dançarino de rumba, de repente, e começar a rodopiar no meio do salão, é só eu querer...

-Perfeito-me interrompeu- e por que não começa a dançar agora, no meio da sala? Não é isso que quer?

Aquele vermelhão me percorreu de cima abaixo, ficando quente; só murmurei:

-Não teria coragem!

-Por que não?

Levantou-se e ligou no aparelho uma música semelhante a um mambo; começou a dançar meio desajeitadamente aqueles passos complicados, que denotavam uma vida alegre e intensa. Eu me sentia ridículo só de olhar, além de vermelho. De repente, silenciou o som.

- O problema todo é termos medo do ridículo; quando descobrimos que somos todos ridículos mesmo, não teremos vergonha de nada. Por que você tem? Tem medo de quê?

Aquilo me pegou de suprpresa; queria ridicularizá-lo, mas se saiu muito bem; tomei fôlego e passei ao ataque.

-Bem, na questão musical, confesso que sou muito ruim mesmo, mas não era onde queria chegar; o que quero dizer é que segundo as teorias psicanalíiticas, o problema todo está no indivíduo e não na sociedade, que é cruel, discriminatória, injusta. Tudo bem, eu acredito em você que, eu querendo, consigo tudo; que eu não me esforço para ser sociável , ter boa aparência, ser comunicativo; isso interessa para o mercado. E se eu não quiser ser assim; e se meu jeito for introspectivo, calado, tranquilo; por que devo mudar para agradar ao mundo de acordo com o que ele espera de mim? Esse é um mundo "perfeito"? Por que a psicanálise não se centra também em querer torná-lo melhor para os indivíduos?

Ficou um tempo pensativo, mas não perdeu a calma. Depois respondeu:

-Tem razão em muitas coisas, mas a psicanálise se centra nos indivíduos, procurando adequá-los ao meio em que vivem a fim de terem uma vida mais harmoniosa, inserindo-os na sociedade. Cada indivíduo encontrará uma profissão adequada a seu temperamento; há aqueles que se dão bem fechados em escritórios; outros são mais comunicativos; podem ser vendedores, locutores, animadores de auditório. Mas , se você tem vontade de seguir essas profissões, que é o que parece, insista e use toda sua capacidade e talento verbal para consegui-lo.

Tinha acertado de novo; eu era acabrunhado, mas era só me soltar, que era um verdadeiro cômico e palhaço; inclusive tinha representado na escola,e..tinha adorado o palco! Esses dois lados meus digladiavam entre si; o circunspecto de meu pai e o extrovertido e zombeteiro de minha mãe; os dois lutavam para caracterizar quem era meu ser; que outros aspectos de minha herança familiar queriam aflorar? Não sabia quem era realmente. Disse tudo isso a ele, que parecia satisfeito. Disse-me ainda que aquela cena da dança teria sido impossível para ele vinte anos atrás. Tudo vencemos e superamos; as mágoas, os medos, a timidez, conforme amadurecemos.

-Seu tempo acabou- disse quase secamente. Mas, felizmente, aquela conversa franca tinha-me sido proveitosa; fiquei com raiva de mim, mas era verdade!