VENDE-SE CASA CENTENÁRIA
VENDE-SE CASA CENTENÁRIA
Por favor, senhores, entrem. – Disse o corretor sorridente.
Este imóvel tem estirpe, e muita história. Esta casa tem mais de século, é uma poesia de ricas rimas, uma ode a ser cantada. Dentro destas salas risos rosados se alarmaram de alegria quando da chegada de seis sadios rebentos que nasceram em camas de jacarandá forradas com eufóricos lençóis de cambraia. Foi aqui mesmo neste dormitório arejado onde estamos agora. Dá ainda para farejar no ar o choro poético da menina mais velha, Dona Cleonice. Era uma segunda-feira de outono, as folhas amarelecidas dançavam pelo alpendre enquanto sua mãe arfava neste cômodo.
Depois, essas crianças foram ocupando os quartos deste corredor. O piso com madeira da época, brilha ainda depois de tantos anos. Cada criança teve seu próprio aposento com alegres venezianas que davam para o jardim. Conta a proprietária que pulavam as janelas para esconderem-se entre as moitas evitando assim o óleo de fígado de bacalhau das cinco da tarde. Tudo era motivo de algazarra infantil, coisa para jamais ser esquecida.
Jantavam todos numa mesa redonda feita de peroba, nesta sala circular. Pelo que me consta, aqui havia um escandaloso gramofone que funcionava antes do jantar. Era a hora de orquestrações divinas, hora de plena alegria familiar. E ali, bem ali, havia uma cristaleira colonial de madeira torneada com vidros bisoteados, era onde ficavam as louças que mandaram vir de Portugal. A família Canhedo era tradicional, muito conhecida na cidade, procurem e vão encontrar muitas notas nos jornais de época, inclusive há algumas com fotografias desta casa, orgulho do patriarca que mandou construí-la.
Percebam essas paredes como são grossas, passem as mãos nelas, elas têm resistido a todo tipo de intempérie emocional, choros e risos. E os tijolos, assentados há mais de cem anos com materiais de época, estão firmes como a peroba das portas, solidificados com tantos segredos e amores.
Conforme soube, todos foram muito felizes aqui. As crianças passavam as tardes correndo pelo jardim que havia no quintal. Venham, quero mostrar-lhes o quintal. É enorme, uma imensidão, bela largura, dá para sentir a energia de liberdade que ele ainda libera.
Aqui está! O lugar das brincadeiras, das saudades. Contou-me Cleonice Canhedo que aqui cresceram ela e o irmãos. Rodeavam a casa com as bicicletas, comiam lanches nessas mesinhas de peroba, nadavam bem aqui onde estamos, havia uma piscina larga de água corrente, depois liam livros sob a mangueira tomando limonada. Não, não há mais a mangueira, envelheceu e tombou, a coitada. Nem há mais os limoeiros, mas temos um autêntico e garboso abacateiro que dizem, fruteia o ano inteiro.
Senhores, este imóvel está recheado de saúde e felicidade, de gordas histórias de harmonia familiar e fartura colorida. Estou certo de que se estenderá a quem o adquirir.
E não é só isso. Preciso contar sobre a vizinhança, dessa maneira saberão, quem rodeia a casa que almejam adquirir para abrigar sua caríssima família.
Pelo lado esquerdo a Condessa Maristela Lebur Galvão. Já ouviram falar dela nas colunas sociais. Não a chamam de Condessa, pois nos dias de hoje pareceria ostentação, mas o título é verdadeiro. Seu pai é um nobre, e Maristela é realmente uma Condessa. Uma doçura de pessoa, uma mulher com enorme senso de humanidade. Casada com o industrial Henrique Galvão. Uma família discreta e muito boa de relacionamento. Não têm filhos, mas adoram crianças e animais.
Pelo lado direito temos a família Menfim. Ambos são médicos donos de várias clínicas médicas. Estou certo de que os conhecem.
Tomara que comprem este imóvel, pois estas paredes, portas e janelas, guardarão também as histórias de sua família, que no futuro terei muita alegria em contar...