Café não emagrece, engorda
Relato pungente de uma vítima da propaganda enganosa dos produtores de café.
– Sinto-me tolo, imbecil. Acreditei nas ladainhas que mas contaram aqueles artistas belos e formosos das propagandas. Eu sou um imbecil. Lembra-se de como eu era há um ano? Eu não era, eu sei, um galã de Hollywood, e eu também não era um homem destituído de charme. Algumas mulheres atribuíam-me beleza peculiar. Eu não era esbelto; e gordo eu também não era. Nem gordo, nem magro eu era. No entanto, eu, sempre que me olhava ao espelho, me via gordo, me achava obeso, comparava-me a um elefante, a uma baleia, e evocava aqueles homens, obesos mórbidos, que vivem confinados na cama, e eu suava frio; paralisavam-me o corpo as imagens que vi, na internet, de um homem que foi retirado da sua casa com um guindaste. Tiveram de remover do quarto em que ele vivia confinado, havia trinta anos, a laje e o teto, para que da casa o removessem. Ele pesava mais de trezentos quilos. Um monstro gelatinoso. Atormentou-me, durante vários dias, a sua figura. Pesadelos roubaram-me o sono. Passei muitas noites em claro, a atormentar-me aquela silhueta elefantina. O horror! A silhueta de um elefante obeso, de um elefante baleiônico. E eu não queria, e não quero, ficar com silhueta igual à dele. Deus me livre! Eu, sem poder mover-me, com trezentos quilos, igual massa gelatinosa… Não. Eu, então, deprimido, angustiado, a temer transformar-me em um elefante de duas pernas, fui vítima fácil das propagandas de café, que me prometiam o paraíso edênico e a beleza de um astro de filmes de ação de Hollywood. Fui vítima das artimanhas dos sórdidos capitalistas e de seu marketing persuasivo. O marketing é, no mundo capitalista, o canto das sereias. E de nada adianta tampar os ouvidos com cera. As propagandas nos seduzem, não apenas pela audição; seduzem-nos pelo olfato, pela visão, pelo tato, pelo paladar. Inebriam os nossos cinco sentidos. São ladinos, astutos, os marqueteiros. Sabem como agarrar-nos pelo pescoço, e conduzir-nos para onde desejam que temos de ir. E eu, desguarnecido, como eu já disse, e não me repito ao me repetir, e nunca é demais destacar este ponto, e eu, eu dizia, angustiado e deprimido, à promessa de que eu, que tenho propensão a engordar, poderia vir a esculpir o meu corpo a ponto de adquirir a beleza cinematográfica dos astros de Hollywood e a beleza apolínea e dionisíaca dos heróis e dos deuses e dos semideuses gregos, e evoco os gregos, não os modernos, que são estúpidos e estão a afundar a Grécia, mas os antigos, da era de ouro da civilização helênica, deixei-me, eu dizia, ludibriar pelas propagandas, em minha fraqueza, excitada a minha vaidade de homem maduro, ou aparentemente maduro, supostamente maduro, presunçosamente maduro, ávido por atrair mulheres encantadoras, esculturais, formosas, que estão de mim a um universo de distância, em uma dimensão paralela. Resumindo: Deixei-me engabelar por malditos propagandistas, e aqui estou, eu, com os meus cento e onze quilos mal distribuídos em meus um pouco mais de um metro e sessenta de altura, sendo que, há um ano eu tinha, além de uns pneuzinhos na barriga, sessenta e sete quilos. Como me arrependo por me deixar ludibriar por aquelas propagandas, as quais, hoje reconheço, seduzem os tolos, os fracos, os débeis, os frágeis, os idiotas, os imbecis, os que não têm vontade própria. Em que inferno vivo! Em um inferno dantesco, o mais infernal de todos os infernos. Mas como, você talvez esteja se perguntando, e por educação não me faz a pergunta, que, eu sei, deseja me fazer, e coça a sua língua o desejo de fazer-ma, mas, por educação e respeito e consideração não ma faz, e como, eu dizia, cheguei a acumular em meu corpanzil tanta banha? Prepare-se para de mim ouvir um relato pormenorizado, nu e cru, estarrecedor, para usar uma expressão que está na moda, do que me sucedeu de doze meses para cá, tempo suficiente, mais do que suficiente, direi, para alterar, significativamente, consideravelmente, a minha figura, a minha silhueta, que, tenho de dizer, nunca foi uma das sete maravilhas da natureza. Recordo-me, como se fosse ontem: Em um domingo, o sol a pino, sob os efeitos anestésicos e inebriantes de uma propaganda de café, retirei-me da minha casa, e rumei ao mercadinho mais próximo, o do Zé Pereira, a um pulo de distância, para comprar café. Em um piscar de olhos, fui e voltei. Não esgotei as minhas forças. Naquele domingo, não bebi café. Principiei, supondo que eu rumava para o céu, a minha jornada rumo ao inferno, na segunda-feira. Nem uma escala no purgatório eu fiz. Fui direto para o inferno, o dantesco, como eu já disse, e repito, e que você não deixe de saber disso, e aprenda com os meus erros, e não cometa erros similares aos que cometi. Na segunda-feira, então, após aquele domingo, dei início ao consumo de café, substância tipicamente brasileira, dos trópicos, que, prometiam as propagandas, presentear-me-ia com a silhueta dos deuses… Do Olimpo? Não. Aliás, Sim, mas, além da deles, a dos de Hollywood, principalmente. E foi na manhã da segunda-feira, após acordar, escovar os dentes, banhar-me, vestir-me, preparado para o trabalho, árduo como é o trabalho de todo o santo dia, preparei-me a refeição da manhã, que consistia em oito fatias de pão-de-fôrma com geléia, um pedaço de pudim de coco, sete bisnaguinhas, um pacote de bolachas waffes, e uma xícara de café. Satisfeito, feliz, a animar-me a certeza da minha transformação, dentro de poucos dias, em uma beldade hollywoodiana, rumei para o trabalho. E encerrou-se o expediente às dezoito horas. E fui para casa, após uma visita à lanchonete. Não eram onze horas da noite, dormi. Na terça-feira, despertei de um sono revigorante, e alegraram-me o sonho situações alegres; minutos depois, o desjejum, que renovou as minhas energias, e concedeu-me forças para encarar mais um dia de trabalho laborioso: metade de um pudim de laranja, duas bananas, seis das doze coxinhas que eu comprara na noite anterior, dois pastéis de carne dos quatro que eu comprara na noite anterior, uma pêra e uma xícara de café fervendo de tão preto. Após retirar-me da loja, encerrado o expediente, rumei, com amigos, à pizzaria Santo Antonio, e lá permaneci até às onze horas da noite. E na quarta-feira, na refeição da manhã, sobre a mesa, para satisfazer-me a vontade de ingerir as substâncias que me forneceriam a energia indispensável para suportar um dia de trabalho intenso, enfiei, para dentro de meu estômago, quatro pães com manteiga, dois pães francês, recheados, cada um deles, com dois ovos de galinha fritos, leite com sucrilhos, dois pedaços de pizza que sobrou da noite anterior, cada pedaço correspondendo a um quarto de uma pizza, duas maria-moles e uma xícara de café, café pretíssimo, fumegante. Encerrado o expediente daquele dia, comemorei, com o Roberto e a Márcia, na lanchonete Vamos que Vamos, o primeiro aniversário de casamento deles. E na quinta-feira dei sequência à minha dieta: Além de uma xícara de café, que não podia faltar, bebi dois copos de leite de duzentos e cinquenta mililitros cada, com achocolatado, comi metade de um pudim de morango com cobertura de caramelo, bolachas de coco, bolachas de mel, bolachas com recheio de morango, bolachas com recheio de chocolate, bolachas com recheio de limão, um pastel de carne e um pastel de queijo dos que sobraram da noite anterior. O dia, intenso; o trabalho, exaustivo. E desincumbi-me de todos os meus afazeres com desenvoltura, e o meu chefe, o Alvarez, elogiou-me, e ele só elogia um subordinado seu que faz por merecer, e eu mereci, elogios. E na pizzaria do Bértão, após o expediente, comemoramos o aniversário da Ana Carolina, aquele pedaço de mal caminho. E encerrou-se o dia. E dormi. Na sexta-feira, no café-da-manhã, além de beber café, bebi leite com sucrilhos, dois copos cheios, um copo de guaraná, comi um pudim, um rocambole mesclado, metade de uma pizza de muzzarela que sobrou da festa da noite anterior, bolachas com recheio de chocolate, bolachas com recheio de laranja, rosquinhas de coco, rosquinhas de chocolate, rosquinhas de nata e duas bananas. Satisfeito, fui trabalhar. À noite, reuni-me com amigos no carrinho-de-lanche do João Louco. Depois, fui à festa de aniversário da Larissa. No sábado, trabalhei até uma hora da tarde, como em todos os sábados; antes, porém, na refeição da manhã, comi um x-tudo dos dois que eu comprara, na noite anterior, e alguns brigadeiros que da festa de aniversário da Larissa levei para casa, duas maria-moles, uma barra de chocolate, bolachas amanteigadas, bolachas de morango com recheio de mel, e bebi leite com sucrilhos, leite com achocolatado, e café, o infalível café, preto, pretíssimo, para dar-me a energia que me seria indispensável para enfrentar metade de um dia de trabalho durante o qual nenhum segundo de descanso eu teria. E à tarde daquele sábado fui à festa de casamento da Marta e do Nelson, e à noite fui à festa de aniversário do Rubens. Comi e bebi do bom e do melhor. E acordei, no domingo, às onze horas; antes de almoçar, na casa do Camilo, que preparou um churrasco supimpa, bebi, na minha casa, uma xícara de café. Durante as semanas que se seguiram àquela, a inaugural, repeti, com pequenas alterações, as refeições da manhã, ao desjejum, certo de que, no decorrer de um ano, ou dois, eu, com o poder milagroso do café, ganharia a silhueta que eu desejava, a de um sedutor irresistível. O café, patrimônio nacional, mais valioso do que o petróleo e o fio-dental, produto genuinamente brasileiro, presentear-me-ia, eu acreditava, influenciado pelas propagandas, com a silhueta dos deuses apolíneos. Arrependo-me, amargamente, e sofro, e você não imagina o meu sofrimento, por haver me deixado ludibriar tão facilmente pelas propagandas de café. Bebi café, todas as manhãs, seguindo orientações dos atores que protagonizavam, nas propagandas, os papéis de criaturas felizes, de bem com a vida, repletas de energia, afortunadas, que adelgaçaram a silhueta consumindo café. Lograram-me, os malditos produtores de café. Engordei a olhos vistos, como você pode ver, e está vendo. Prometeram-me o céu; e desci ao inferno, o inferno dantesco, não me canso de repetir. Nunca mais me deixarei enganar pelas propagandas. Nunca mais. Olhe para mim. Qual mulher me deseja, agora? Converti-me em objeto de irrisão. Sou alvo de chacotas. Olham-me torto, a sorrir. Maldição! Você aceita um cafezinho?