Esperança inabalável

Solange não estava nada satisfeita nos últimos anos. Há muito que sua vida virara de pernas para o ar. Não podia mais viajar, nem passear e tão pouco se distrair, já que a situação financeira da família tornara-se extremamente difícil.
Além do mais, também tinha se aposentado, e sentia falta dos tempos da escola barulhenta, quando ainda ensinava a criançada. Em seus pensamentos, agora sempre rondavam as piores ideias. A incerteza do amanhã era sua companheira constante, assim como passou a fazer parte de seu pensamento o sentimento de ter se tornado uma inútil; coisa que não era nem de longe. Por algumas vezes surpreendeu-se pensando até em acabar com a própria vida, ou sair porta afora e sumir, mas logo deixava essas ideias de lado. Sabia não ser esse o caminho; tinha uma família que ela adorava de paixão e a controlava nos mínimos detalhes. Por essas razões, nada desse mundo a faria deixá-los.
Fazia sua rotina diariamente. Levantava cedo, fazia e servia o café da manhã e logo despachava todo mundo. Um filho para o trabalho, o outro para a escola. O marido, como estava desempregado, para o escritório onde ficava o computador. Arrumava as camas e colocava a roupa suja na máquina de lavar. Enquanto isso era processado, lavava a louça da noite anterior e a do café da manhã. Logo em seguida começava a preparar o almoço e ao mesmo tempo ia estendendo a roupa lavada para secar. Após a refeição recolhia-as da corda e as passava. Não sendo dia de faxina, quando tudo estava terminado, começava sua agonia. Como todo animal encarcerado, andava por dentro da casa procurando alguma coisa para passar o tempo. Não encontrando, dava uma meio descansada assistindo algum programa na televisão. Algumas vezes estava pelo quintal a cuidar do jardim ou a limpar a frente da casa, sempre com a esperança de acabar com aquela sensação de vazio. Mas tudo era em vão.
Tinha doado seu cão, mistura de Labrador com vira-lata. Embora este tivesse lhe mordido a mão, ainda sentia muita falta dele.
Assim Solange ia levando sua vida, mas sempre cutucava o marido, pois este botara na cabeça que era escritor e sonhava conseguir editar um livro, não fazendo mais nada do que escrever. Atitude esta que a deixava muito preocupada, pois o que recebia de aposentadoria era pouco para sobreviver e seu marido não tinha nenhuma fonte de renda. Entretanto, Osório acreditava piamente que iria conseguir editar seus textos e não desistia. Essa sua insistência algumas vezes causava mal estar ao casal, mas logo voltavam ao equilíbrio e ele tornava a lhe pedir ajuda.
- Nós vamos conseguir e tudo vai voltar a ser como era antes, mas preciso que você faça a revisão gramatical - Dizia Osório, cheio de esperança.
- Eu não vou perder meu tempo corrigindo nada. Acorda, homem! Para de viajar na maionese! Você não vai nunca conseguir editar esses textos. Se ainda fosse famoso eu não diria nada, mas você não o é. - Solange sempre procurava trazê-lo à realidade.
- Eu entendo como você se sente, mas na minha idade é muito difícil tentar uma recolocação, por isso estou apostando nesses textos. Preciso fazê-los acontecer.
- Pelo jeito você não vai desistir, não é mesmo?
- Tenho que continuar acreditando que vale a pena insistir. – Dizia Osório cheio de alegria e orgulho.
Solange continuava irredutível, mas a insistência de seu marido acabou por convencê-la. E como existem mais coisas entre o céu e a terra que a nossa vã filosofia pode imaginar, um dia o inesperado aconteceu. Tantas foram às editoras às quais Osório enviou seus textos, que uma resolveu editar um deles a título de experiência. Para grande surpresa dos editores e alegria dele, o livro foi sucesso absoluto e virou um best-seller. Logo outros textos seus eram editados acabando de vez com as dificuldades. Tudo voltou a ser como era antes, graças ao sonho, a insistência e a perseverança de Osório.
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Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 22/11/2019
Reeditado em 22/11/2019
Código do texto: T6801148
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