Conto das terças-feiras – Vivendo com tiques incontroláveis
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 19 de novembro de 2019
Uma sala de uma clínica de psicologia. Nela estão presentes uma psicóloga e um paciente, ela, três anos de formada e já com especialização em Saúde Mental. À sua frente, Carlos Mancini, jovem de 13 anos de idade, identificado, desde os nove anos, com Síndrome de Gilles de La Tourette (ST), também conhecida como doença dos tiques.
A inabilidade de conversar, mutismo seletivo, o impediu de progredir satisfatoriamente no ambiente escolar, obrigando sua mãe a retirá-lo precocemente da escola. Os seus tiques corporais contínuos, reações de sobressaltos exageradas, com emissão de sons semelhantes a animais e vocalizações bizarras, desconexas, de cunho obsceno, o forçaram a viver os primeiros anos de infância, recluso.
Sua mãe, após ser convencida da gravidade da doença do filho, pelo seu comprometimento psicossocial e sofrimento intenso para ele e para a família, venceu o medo e o preconceito, procurou uma clínica especializada em Saúde Mental. Após o diagnóstico e a elaboração de um plano de tratamento para Carlos, o garoto começou a frequentar a clínica duas vezes por semana.
As duas primeiras idas à clínica o garoto recusou-se a conversar com a psicóloga que iria atendê-lo. Ele não esboçava nenhum comportamento, por duas vezes ele saíra da sala correndo, tendo que ser contido pelo pessoal auxiliar e sua mãe. Por recomendação da psicóloga, a mãe do garoto prontificou-se a trazê-lo até a completa adaptação do garoto ao ambiente.
Na terceira ida à clínica, a psicóloga que o atendera havia tirado férias e outra estava em seu lugar. Ao entrar na sala, Carlos percebeu a troca, aproximou-se da moça e abriu um sorriso. Era um atendimento individual, os dois ficaram alguns minutos se olhando, se estudando, em um clima cordial. A mãe do garoto havia percebido que a nova psicóloga parecia, e muito, com uma garota que morava vizinha a eles, e que visitava Carlos, diariamente. Eram sempre momentos de alegria e satisfação para o garoto. Eles ficavam horas brincando, não viam o tempo passar. Quando a garota saia, ele voltava ao seu estado de não reatividade e de imobilidade, com uma especial ausência da necessidade de falar e de impulso verbal.
Na presença da psicóloga ele se sentia bem, ficava tranquilo, permitindo a profissional estudar seus movimentos, esperando uma oportunidade para intervir naquela calmaria. Algumas vezes Carlos fazia careta, rangia os dentes, ofegava, contraia seus músculos repetidas vezes e sem propósito. A psicóloga o observava, para subsidiar o seu diagnóstico. Ela já obtivera da família a frequência com que se davam esses acontecimentos, quando se iniciaram e o que os desencadeavam. Pela literatura ela sabia que ST acomete cerca de três a quatro vezes mais para o sexo masculino que o feminino, a sua etiologia permanece desconhecida, embora já tenham sido descritos alguns fatores, como genéticos, psicológicos e eventos marcantes da vida de uma criança.
Para a família de Carlos, os tiques foram notados a partir dos seis anos de idade. Já mesmo aos três anos a dificuldade com a fala tinha sido notada, a negligência da família e as eternas observações de terceiros “cada criança tem o seu tempo de falar”, postergaram o início dos cuidados com o garoto. O tratamento inicial foi o farmacológico, pois o desconhecimento e a falta de orientação dos pais do garoto o levaram ao hospital mais próximo de onde eles moravam. Com o passar do tempo o comportamento do garoto começou a incomodar a família, e, de volta ao médico, ela ficou sabendo que não havia tratamento curativo, e o medicamento era só para aliviar os sintomas.
Na clínica psicológica, durante as consultas de avaliação, a família recebera orientação sobre a doença e o modo de lidar com o doente. Passados dois anos de tratamento psicológico, Carlos ainda apresenta, moderadamente, os tiques vocais e reações que determinaram o diagnóstico de sua doença. Sua família, agora consciente, sabe que a doença do filho não tem cura, mas pode ser controlada com tratamento adequado, que inclui o uso de medicamentos e psicoterapia, permitindo que tenha vida quase normal, e até a volta à escola. Para a família, um pouco de descanso.