Estranha dúvida do menino
Estranha dúvida do menino
Alexandre Sansone
O menino franzino andando de mãos dadas com a mãe - magra e dentuça - e a avó, pequena e forte, sentia seu apreensivo coração acelerado.
A visita que fariam à casa de seus tios-avós traria novamente uma estranha dúvida. Isso o preocupava. Era sempre assim.
Gostava de ir àquela casa bela e enorme. Era como a enxergava. Possuía um jardim mágico repleto de aromas, flores, caminhos e bancos brancos. Tudo limpo e meticulosamente ajardinado.
Ali poderia entrar, correr por entre os arbustos, sentir pequenas pedras machucarem-lhe os pés e o frescor da beleza sob forte calor daquele verão de 1952. Ficaria por um bom tempo apreciando a delicadeza do lugar.
Ao ouvir os chamados da mãe e da avó, vestidas com roupas de domingo, silenciosamente atenderia e a elas se juntaria na entrada de serviço da residência, uma grande área com dois bancos escuros. Jamais entravam pela enorme porta de madeira e vidro que permitia o acesso à imensa sala da frente.
Ficavam conversando em tom baixo, quase sussurrando até que a moça uniformizada os convidava para entrar e os encaminhava para duas poltronas e pedia para que aguardassem a Senhora descer. O menino quieto permanecia em pé entre a avó portuguesa de semblante carregado de seriedade e a mãe calada.
A parte da casa em que estavam era pequena, escura e dava acesso à escadaria por onde a Senhora desceria. Timidamente olhava ao seu redor. Via três salas com móveis que em sua infantil visão deveriam ser pesados, pensava.
Janelas escondidas atrás de muitos panos, cortinas, como diziam a mãe e a avó. Eram confeccionadas com tecidos caros e estrangeiros trazidos da Europa, notadamente de Portugal, ouvia sempre.
Como gostaria de se sentar naqueles sofás tão fofos e macios, pelo menos assim os imaginava.
E a mesa, então? Imponente! Jamais ousou se sentar em alguma daquelas cadeiras ao redor dela. Certamente, suas pernas permaneceriam longe, bem longe do chão de tábuas escuras e coberto por tapetes de aspecto pesado.
O menino apreciava espiar a distância as louças, taças, copos e tanta coisa que desconhecia, mas admirava. Importa destacar que ele não almejava toda aquela riqueza para sua família. Tinha consciência de sua situação familiar. Apenas satisfazia a curiosidade de sua mente observadora. Somente não entendia o motivo da mãe e da avó – irmã e sobrinha do dono da casa – não terem permissão para sair daquele pequeno espaço que ocupavam enquanto aguardavam a Senhora descer para conversar com elas.
Ao avistar a tia-avó, silenciosamente a cumprimentava e se sentava em uma das poltronas. As três se retiravam para a sala próxima à cozinha para tomarem chá. Nada ouvia. Aguardava sentado com as pernas soltas no ar e as balançava. Para ele era divertido ver finas sombras refletidas no brilho do assoalho.
Poucos minutos depois – para seu tempo de criança era uma eternidade – a moça uniformizada o levava até o banco que ficava na entrada da área de serviço e a ele entregava um copo de suco – doce demais – e bolachas. Desse local não avistava a mãe e a avó. Durante muitos anos tais momentos o acompanharam.
O menino ali ficava. Bebia. Comia. Sorria para o nada. Pensava. Ouvia o silêncio. Às vezes, essas visitas eram interrompidas pela presença de uma das filhas da Senhora. Eram quatro moças. Gostava, porém não se envaidecia ao ser chamada de “bonitinho “. Com elas se sentia uma criança sem dúvida. Era visto e notado.
(São Paulo, 11/11/19)