CRISTANDADE
- Bom dia, senhor José.
- Bom dia, Dona Genoveva, como está?
- Cá vou andando. - Interrompeu o que iria ser um início de conversa quando um homem entrou na loja. Olhou-o com curiosidade. Envergava um casaco já bastante usado e puído e umas calças que já tinham visto melhores dias. Os sapatos também careciam de conserto urgente.
O senhor José cumprimentou-o: - Bom dia, senhor Ramiro. Como vai?
- Bom dia, vou andando na graça de Deus, obrigado.
Depois vagueou o olhar pelas prateleiras, pôs alguns produtos no cesto, olhando à volta, indeciso. Fez um compasso de espera como se aguardasse que ela saísse da loja, o que não aconteceu. Por fim, avançou para a caixa e retirou lentamente os produtos, pousando-os sobre o balcão. José foi registando, colocou-os num saco de plástico e depois disse: - São vinte e dois euros e setenta cêntimos.
Ramiro olhou para dentro do saco, fez uma longa pausa e suspirou. Depois, fixou o dono da mercearia e perguntou-lhe: - Senhor José, não se importa que eu só pague no dia trinta? Agora seria complicado, só recebo o subsídio no final deste mês e já não tenho dinheiro, ainda hoje é dia doze …
José olhou-o e pesando bem as palavras, retorquiu: - Está bem, paga quando puder, não se preocupe com isso.
Ramiro disfarçou a emoção e a vergonha, era como se tivesse um nó na garganta, depois largou um obrigado quase sumido e saiu com o saco na mão, arrastando um pouco os sapatos cambados e gastos.
A mulher viu-o sair e depois virando-se para o dono da mercearia, que apontava o crédito num pequeno livro, perguntou: - O que se passa com ele? Já não o via há uns tempos, sei que a mulher faleceu no ano passado e ele ficou só, não sei mais nada…
- Este homem é o exemplo da fatalidade. A mulher morreu no meio do maior sofrimento, a empresa onde ele trabalhava faliu há dois anos, o subsídio de desemprego está quase a acabar, a filha casou-se há sete meses e nunca mais quis saber dele. Para cúmulo, contraiu dívidas com a doença da esposa e agora o dinheiro não chega para tudo, como acabou de ver. Faz-me pena, ele é muito educado e de boas contas, quando tem dinheiro vem logo pagar. Que futuro terá, com esta crise que se abateu sobre todos nós? Sabe, eu tenho vários calotes neste livro, a maioria não tenho esperança de vir a receber, mas este não me dá qualquer preocupação.
- Senhor José, se você vende fiado a muita gente, qualquer dia também vive nas ruas da amargura, abre falência.
- Dona Genoveva, eu sou cristão efetivo e praticante, não vou à missa ao domingo para lavar os pecados da alma e dizer mal dos vizinhos, acho que Deus nos incumbiu a todos de uma missão, “ ide, sejam felizes e fazei feliz o próximo”, disse Ele na sua infinita sabedoria. Por isso sei que ajudar os outros é bom para eles e também me faz sentir-me bem comigo mesmo. E o futuro a Deus pertence, não é verdade?
Ela resmungou qualquer coisa, pegou no seu saco e saiu da loja atirando um “passe bem” por cima do ombro.
Ele olhou-a e abanou a cabeça perante aquela velha figura que era famosa pela sua avareza e usura, recebendo muito dinheiro de rendas em vários prédios que detinha espalhados por Lisboa, emprestando a juro elevado, mercê da necessidade e aflição dos seus clientes. Não se lhe conhecia um único ato de caridade, esmolas não dava, quando lhas pediam respondia sempre que não sabia se um dia ainda lhe iriam fazer falta. Também não tinha família, marido, filhos, nada. Talvez fosse essa ausência de afeto que a fazia assim tão desprovida de bons sentimentos.
Entretanto, entraram duas clientes e com um encolher de ombros ele afastou estas ideias da cabeça.
Este conto motivou à estimada poetisa AnnaLuciaGadelha a seguinte interação, que muito me agradou. O meu obrigado.
- Bom dia, Dona Genoveva, como está?
- Cá vou andando. - Interrompeu o que iria ser um início de conversa quando um homem entrou na loja. Olhou-o com curiosidade. Envergava um casaco já bastante usado e puído e umas calças que já tinham visto melhores dias. Os sapatos também careciam de conserto urgente.
O senhor José cumprimentou-o: - Bom dia, senhor Ramiro. Como vai?
- Bom dia, vou andando na graça de Deus, obrigado.
Depois vagueou o olhar pelas prateleiras, pôs alguns produtos no cesto, olhando à volta, indeciso. Fez um compasso de espera como se aguardasse que ela saísse da loja, o que não aconteceu. Por fim, avançou para a caixa e retirou lentamente os produtos, pousando-os sobre o balcão. José foi registando, colocou-os num saco de plástico e depois disse: - São vinte e dois euros e setenta cêntimos.
Ramiro olhou para dentro do saco, fez uma longa pausa e suspirou. Depois, fixou o dono da mercearia e perguntou-lhe: - Senhor José, não se importa que eu só pague no dia trinta? Agora seria complicado, só recebo o subsídio no final deste mês e já não tenho dinheiro, ainda hoje é dia doze …
José olhou-o e pesando bem as palavras, retorquiu: - Está bem, paga quando puder, não se preocupe com isso.
Ramiro disfarçou a emoção e a vergonha, era como se tivesse um nó na garganta, depois largou um obrigado quase sumido e saiu com o saco na mão, arrastando um pouco os sapatos cambados e gastos.
A mulher viu-o sair e depois virando-se para o dono da mercearia, que apontava o crédito num pequeno livro, perguntou: - O que se passa com ele? Já não o via há uns tempos, sei que a mulher faleceu no ano passado e ele ficou só, não sei mais nada…
- Este homem é o exemplo da fatalidade. A mulher morreu no meio do maior sofrimento, a empresa onde ele trabalhava faliu há dois anos, o subsídio de desemprego está quase a acabar, a filha casou-se há sete meses e nunca mais quis saber dele. Para cúmulo, contraiu dívidas com a doença da esposa e agora o dinheiro não chega para tudo, como acabou de ver. Faz-me pena, ele é muito educado e de boas contas, quando tem dinheiro vem logo pagar. Que futuro terá, com esta crise que se abateu sobre todos nós? Sabe, eu tenho vários calotes neste livro, a maioria não tenho esperança de vir a receber, mas este não me dá qualquer preocupação.
- Senhor José, se você vende fiado a muita gente, qualquer dia também vive nas ruas da amargura, abre falência.
- Dona Genoveva, eu sou cristão efetivo e praticante, não vou à missa ao domingo para lavar os pecados da alma e dizer mal dos vizinhos, acho que Deus nos incumbiu a todos de uma missão, “ ide, sejam felizes e fazei feliz o próximo”, disse Ele na sua infinita sabedoria. Por isso sei que ajudar os outros é bom para eles e também me faz sentir-me bem comigo mesmo. E o futuro a Deus pertence, não é verdade?
Ela resmungou qualquer coisa, pegou no seu saco e saiu da loja atirando um “passe bem” por cima do ombro.
Ele olhou-a e abanou a cabeça perante aquela velha figura que era famosa pela sua avareza e usura, recebendo muito dinheiro de rendas em vários prédios que detinha espalhados por Lisboa, emprestando a juro elevado, mercê da necessidade e aflição dos seus clientes. Não se lhe conhecia um único ato de caridade, esmolas não dava, quando lhas pediam respondia sempre que não sabia se um dia ainda lhe iriam fazer falta. Também não tinha família, marido, filhos, nada. Talvez fosse essa ausência de afeto que a fazia assim tão desprovida de bons sentimentos.
Entretanto, entraram duas clientes e com um encolher de ombros ele afastou estas ideias da cabeça.
Este conto motivou à estimada poetisa AnnaLuciaGadelha a seguinte interação, que muito me agradou. O meu obrigado.
Que eu não seja uma pessoa gananciosa
Porque a felicidade está na simplicidade
Que Deus me ajude a ser útil e bondosa
Abranda o coração praticar a caridade
Que eu não silencie diante da desigualdade
E que eu lute por uma justa sociedade.