Conto das terças-feiras – O baile da terceira idade
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 12 de novembro de 2019.
Salão cheio, senhorinhas sorridentes, algumas muito bem-vestidas. Havia certa cumplicidade no ar. A banda tocava músicas alegres, damas e dançarinos, alguns contratados pelas damas, demonstravam suas habilidades ao rodopiar no salão. O programa patrocinado pelo Estado contava com a presença de muitos Secretários estaduais, já em campanha eleitoral para 2020.
Um casal, sentado à mesa, esperava, pacientemente, por uma senhora que o convidara para aquela festa. Haviam se conhecido, no dia anterior, em um shopping da cidade, mais precisamente em um badalado café belamente decorado com motivos parisienses. Ela se apresentara como pertencente a uma família importante do meio artístico nacional.
Em sua entrada triunfante no Café foi declarando sentir-se em Paris, em plena época natalina. Sua fisionomia esboçava alegria como se estivesse revivendo momentos felizes passados na Cidade Luz. Também fez referência a Portugal, solicitando para degustar bolinho de bacalhau. O casal a tudo assistia, deslumbrado com a desenvoltura da pequenina senhora nos seus mais de noventa anos de idade.
Querendo conhecer mais daquela senhora divertida e segura de si, o homem que a observava fascinado, arriscou uma afirmação:
— Então a senhora conhece Paris, Portugal, já viajou muito pela Europa!
— Na verdade não, mas gostaria de ter saído por aí, a conhecer o mundo. Só não o fiz por questões familiares.
Decepcionados, marido e mulher tentaram remediar a situação. Procuraram saber mais sobre aquela mulher intrigante e altiva, que falava de cabeça erguida, olhando diretamente para todos, sem se deixar intimidar pela presença de pessoas mais jovens e mais bem-vestidas do que ela.
— Junte-se a nós, venha saborear um café conosco, convidou o marido.
Sem se fazer de rogada, ela se dirigiu à mesa do casal, pediu um café, acompanhado por bolinho – croquete de bacalhau. Em seguida a convidada foi tirando dois convites para a festa da terceira idade que aconteceria no dia seguinte. Passando-os à mão da esposa, advertiu que eles não poderiam faltar, era uma festa muito bonita e que só acontece uma vez por ano. Terminado o café, aconteceu a despedida e promessa de que estariam juntos no baile do outro dia.
Marido e mulher chegaram cedo ao baile, procuraram a senhora do shopping e não a encontraram. Escolheram uma mesa, havia poucas, e ficaram ali a espera da senhorinha que os convidara. Quase ao final da festa uma chamada pelo WhatsApp indicava que a nova amiga estava no recinto e que iria ao encontro do casal. Ofegante ela apareceu, dançara até aquela hora, sozinha, fez questão de frisar. Usava vestido longo, bastante surrado, ornado com pedras e pala de crochê, que sobriamente cobria o busto, mas pundonoroso. Cabelos sustentados por uma tiara, uma rainha desfigurada.
Terminada a festa, lhe foi oferecida carona, aceita prontamente. Dizendo morar próximo à residência do casal, todos se dirigiram ao carro. Já no caminho, pela indicação apontada pela idosa senhora, ficou claro ser a sua residência em local diametralmente oposto ao do casal. Para esclarecimento ela informou que morava em um condomínio residencial, de nome Dona Maria I, no Bairro do Sossego. Falava isso com orgulho, onde havia comprado um apartamento, à vista, segundo ela, e morava com uma irmã. Mais uma vez a senhora procurava demonstrar uma condição que não condizia com a realidade.
Durante toda a viagem foi contando sua vida: mãe solteira, criara o filho sozinha, filho que se casara duas vezes, e que a atual nora a detestava. Várias quedas que sofrera, e que lhe impuseram sequelas físicas horríveis, foram tanto por conta da idade como devidas a maldade da nora. Aquela alegre senhora não tinha motivos para tanto prazer. Via-se que vivera em sofrimento constante, mesmo assim não entregara os pontos, agia como uma nobre falida, mas não descia de sua majestade, por ela mesma construída. Sem dizer uma só palavra, o casal a tudo ouvia. Não queria desfazer a magia daquela história narrada com emoção.
À chegada ao castelo desenhado pela personagem, uma construção antiga, quase em ruínas, sem manutenção, em uma rua esquisita, repleta de pequenos bares, com mesas de bilhar, locais de venda de insumos de primeira necessidade, ainda abertos, marido e mulher perceberam a dimensão do drama vivido por aquela senhora que passaram a admirar mais ainda.
Como o baile em questão só acontece uma vez por ano, ao se despedirem, casal e a idosa senhora, marcaram novo encontro em sua próxima edição, 2020.