Limonada

Anna chegou na estação exatamente meia hora depois de Walter, que ao contrário dela, preza bastante pela pontualidade e a louca organização que se instalava no garoto sempre ao sair de casa. Em casa, ao inverso, o pobre nem sequer arrumava a cama. Isso digo para que entendam a profundidade da melancolia, da rua molhada iluminada pela luz amarelada daquele poste velho e frívolo. Não quero contar, por exemplo, como sofria o peito inchado e quase ralo dele — A não ser, talvez, um pouquinho dos seus olhos cansados, e do lábio inferior timidamente turvo. Nossa! Eu achava aquilo tão raro, — incrivelmente raro.

Não tenho a intenção de chorar letras e cuspir um cuspe grosso que certamente fede a cigarro. Quero no entanto, transformar essa distorção que inventaram em torno das qualidades vazias daquele cara. Você que lê, você que ri ou nem sequer está gostando disso, não desista da história, prometo que é triste o suficiente para os poetas (os sensíveis), e o máximo de ruim aos críticos (os chatos como eu).

— Você não tem ideia do quanto esperei — disse Walter, olhando-a como se a fosse beijar, porém não ia, o medo e a culpa o sabotavam.

— Senti sua falta e por isso demorei… é que eu tinha medo, Walter — respondeu triste — e você sabe que sou meio boba.

— Não me parece ter sentido — e riu.

— Mas tudo em você precisa de sentido, que saco hein. Vem cá, me beija — e o rosto branquinho se encheu de um rosa quase transparente.

— Não me peça um beijo, meu bem, sabe que eu não posso — e o clima pesou como pesa um piano.

O trem chegou, Walter e Anna distanciaram-se, e o guarda da plataforma que havia visto o pequeno diálogo tateou o próprio braço em busca de alívio e carinho. Ao passo que o trem parava lentamente, pungia no peito de Walter uma certeza medonha, pulverizadora: de que nem ele, e nem mesmo o desejo de Anna se viram tão despedaçados quanto naquele momento.

— ...Waaaaaalter! Ei… o que falava com a Anna?

— Não era nada, meu bem… vamos, o trem já já parte — fez um movimento com a mão direita indicando a Elisa o caminho do trem. Anna olhava de longe, Walter sofria na imersão de si mesmo, e Elisa inocentemente fingia.

Kaio M Cardoso
Enviado por Kaio M Cardoso em 11/11/2019
Código do texto: T6791977
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