O VENDEDOR DE CAVACO CHINÊS

Há muitas histórias no mundo, mas nada se compara a de "Tico do cavaco". Um homem sisudo que morava em uma casa afastada da cidade nos tempos "primitivos". À época não se falava em tecnologia como redes sociais, Internet, e aplicativos para diversas funções. Tico morava sozinho desde a morte da irmã viúva que não viveu além dos 60 anos. Nessa época a definição de idoso era facilmente aplicável a pessoas acima dos 40 anos. Após os 60 o indivíduo seria um "dinossáuro. Tico beirava os 55 anos e não tinha grandes perspectivas de seu futuro. Homem da roça, com pouco estudo que se virava através de pequenos "bicos". O dinheiro estava escasso naquela cidade desde o fechamento da única fábrica de sandálias do lugar.

Mas Tico encontrou uma alternativa para ganhar dinheiro. Quando criança ele recebia muitos presentes de tios e parentes do interior. Um deles, o tio Quinca trouxe certa vez um alimento chamado "cavaco chinês". Não era um doce, e também não era fabricado por chineses. A matéria prima era composta basicamente de farinha de trigo e água. Após algumas horas no forno, o alimento ficava crocante e sob a forma de canudo. Não era muito doce, mas a crocância agradava aos paladares das crianças. Se no passado fez muito sucesso, agora poderia fazer também. Tico começou a produção e confeccionou um tambor de alumínio em forma de lápis para transportar o alimento, que não era pesado, mas acomodava bem o produto. A divulgação do cavaco chinês era feita através do som de um triângulo de ferro que chamava a atenção de quem passava na rua. Tico tocava o instrumento sempre que uma criança passava ao seu lado. O vendedor de cavaco encontrou um filão. O faturamento dobrava a cada semana. Na rasteira do sucesso de Tico, outros vendedores passavam a comercializar o produto nas ruas. Em três meses já tinha cerca de 20 vendedores de cavaco, mas ninguém fazia tanto sucesso quanto o "seu" Tico, como diziam as crianças. Durante 10 anos o vendedor de cavaco foi soberano. Mas o seu tino comercial não era tão bom. Enquanto ele continuou a venda de cavaco chinês, os outros diversificaram os produtos. Um deles, o "seu" Vavá investiu o dinheiro em vários "fiteiros" (veículo de duas rodas feito de alumínio que rodava com dois aros de bicicleta).Outro concorrente de seu Tico era o Josias Lambão. Esse personagem tinha uma obcessão por sandálias. Em sua casa havia um armário contendo mais de duzentos pares. Josias era falastrão e a sua estratégia de vendas variava desde o grito inssurdecedor até dar alguns sacolejos nos clientes. Josias Lambão investiu em pequenos veículos parecudo com carros de mão, e os alugava a feirantes. Assim com esse jeito louco Josias também abriu uma loja de doces, e o cavaco, seu principal produto, foi perdendo espaço a cada dia. Mas Tico não iria deixar a tradição morrer daquele jeito. Embora boa parte de sua clientela crescera e mudara para outros bairros, o vendedor ainda faturava algum dinheiro. Mas os anos 2000 chegaram e foram cruéis para o vendedor de cavaco chinês. Se antes ele vendia mais de 20 sacolinhas de seu produto, agora apenas 5 por dia. Tico já estava idoso, e as suas pernas não colaboravam mais com aquelas longas caminhadas. Ele não acumulou fortuna, não teve filhos, e ainda morava no nesmo quartinho do "Beco dos Milagres". As ruas não estavam mais cheias de vendedores de cavacocomo antes. Agora alguns agora são médios, ou grandes empresários. Apesar de alguns tenham se tornado comerciantes ambulantes. O seu Tico não multiplicou o seu patrimônio como os outros. Certa vez uma senhora da rua do Molanbo (ops, agora é mais chique chamá-la de rua Heronilde Costa Brava, avó do prefeito Costa Brava), dona Alzira sentiu falta de seu vendedor preferido. Mais tarde ela foi informada sobre o frágil estado de saüde de seu Tico. Ele, internado em um hospital com uma grave infecção urinária interrompeu o seu trabalho provisoriamente. Mas quando todos achavam que ele tinha morrido, eis que surge na rua dos Catetes o octogenário vendedor de cavaco chinês. Agora o idoso puxava um carrinho de mão com diversas embalagens do crocante alimento. A fama diminiu, é certo, mas a tradição se manterá até a sua morte. Vida longa, seu Tico!.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 05/11/2019
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