PEQUENAS COISAS

Mamãe foi traída pelo meu pai a vida inteira até meus vinte anos. Ele tinha uma amante e constituiu com ela a segunda família. Eu fiquei com minha mãe. Pobre e mal-amada. Acompanhava ela todos os dias para casa da Família Afonso Martins. Trabalhava na cozinha e tinha um quartinho só para ela, no fundo da mansão. Toda tarde eu ia para o quartinho destinado a minha mãe. Meu sonho era dar uma bolsa para ela no Natal. Guardava suas pequenas coisas dentro de uma sacola de plástico miúda. Um dia eu peguei em cima do guarda-roupa. Ela deixava no alto para eu não roubar as moedinhas do pão. Quando abri a sacolinha, tinha um pente, uma presilha de cabelo, e notas fiscais de supermercado. Muitas notas e uma caneta. No fundo da sacola, o batom vermelho.De tão velho ficou todo roxo. Era a sua única maquiagem. De frente para o espelho do guarda-roupa, girei a cápsula do batom e passei em meus lábios. Até hoje tenho as marcas.

Ricardo Neto de Oliveira Mota
Enviado por Ricardo Neto de Oliveira Mota em 04/11/2019
Reeditado em 04/11/2019
Código do texto: T6787002
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