O leitor
 
 

 
- Vovô, o senhor vai levar todas essas caixas para nossa casa?
- Sim,  minha querida, sua mãe vai guardá-las para mim.
- A vovó não vai mais voltar?
-  Não.  Ela agora está no céu.
-  Céu? Ela mora numa espaçonave?
-  Outro dia vovô explica. Precisamos guardar tudo.
 
André começou vagarosamente a colocar cada livro dentro das caixas.  Tentou fazê-lo o mais rápido possível, porém, seus 105 anos de idade não lhe permitia a agilidade de outrora.
 
Deparou-se com um livro escrito por sua mãe para ele. Eram pequenos contos que ela escrevia para incentivá-lo à leitura. Sentiu uma dor forte no peito. Era a saudade que o visitava sempre que se lembrava da mãe.
 
Ao mexer numa parte do porão, encontrou uma coleção de livros que há anos não via.  Foram presentados por um amigo de sua mãe.  Naquele tempo, os livros não eram proibidos, mas ele não gostava de lê. Agora, não existiam  mais livros em papel, pois poderiam destruir o meio ambiente; os digitais, eram controlados pela Comissão dos Bons Costumes. Os poucos permitidos tinham caráter prático, ensinando o papel de cada um na sociedade: homens, mulheres, crianças. Ninguém podia ler livros que não fossem para sua categoria.
 
*****
 
André chegou da escola com fome, mas antes que pudesse alcançar as panelas com sua fome de leão, Francisca o interrompeu.
 
- Chegou uma encomenda pra você.   
- Uma encomenda para mim? Pelos correios?
- Não,  foi um disco voador que trouxe! Ahhhhh. Claro que foi!
- Quem mandou?
- Não sei.  Os correios que trouxeram.
- Humm... Maneiro! é um livro que um amigo da mamãe mandou pra mim. Que legal!  Tem meu nome no envelope.
- Com certeza. Você acha que os correios têm bola de cristal para adivinhar sem o nome? Disse  Francisca  sorrindo.
- Eu nunca recebi nada pelos correios.
- Eu recebo quase todo dia: cobranças.  Faça dívida que todo dia você recebeu uma carta. Ela sorria da empolgação do garoto.  
 
 
Abriu o envelope cuidadosamente. Era maravilhoso aquilo! Tinha recebido uma encomenda pelos correios.
 
 
Por muito tempo continuou a receber livros pelos correios.  Mesmo quando viajava  ligava para saber se tinha chegado alguma encomenda. Com o tempo passou a lê os livros. Finalmente, descobriu o universo que sua mãe tanto lhe falava que tinha nos livros.  Anos mais tarde, quando o mundo passou por uma verdadeira metamorfose, escondeu seus livros  para não perdê-los.
 
Eram relíquias de um tempo que existiam livros, escolas, correios. De um tempo em que amigos se presenteavam com livros enviados pelos correios.   
 



Imagem do Google.