Um anjo me lembrou
Naquela manhã , eu e minhas amigas do canto, Cida e Conceição, fôramos à Catedral assistir à apresentacao de árias dos cantores do Unicanto, um Festival Internacional de Coros que acontece em minha cidade, todos os anos e do qual participamos. Estávamos ansiosas por ver e ouvir nosso colega cantor, Vitor, um barítono de voz grandiosa e bela ! Encerrada a maravilhosa apresentação, fomos a um Shopping , para comer alguma coisa. E passar o tempo, pois tínhamos que pegar os ingressos para nossos convidados, e a bilheteria do Teatro só abriria às 14:00. O calor estava insuportável. Passamos pelo calçadão, aproveitei para fazer fotos de alguns artesãos que ali vendiam a sua arte. Na praça de alimentação, coalhada de gente faminta, apressada, decidimos que, pra não correr o risco de comer uma comida que nos fizesse mal, pois tínhamos apresentação à noite no Festival, comeríamos Macdonald. Confesso que a escolha não fora a melhor. Um lanche caríssimo e sem sabor. Na hora, achamos ótimo , porque matou nossa fome. Voltamos para o teatro. Faltava ainda mais de uma hora. Sentamos nas escadarias do teatro e lá ficamos. Passavam pessoas de todo tipo: Mães com seus bebês, velhos inexpressivos, cansados, trabalhadores apressados , executivos de terno e gravata, pedintes, drogados, estudantes, um mar de gente. Um casal hippie, com seu cachorro vira-latas e tralhas, comia sua marmita gelada à sombra da árvore, e logo arrumou confusão com um transeunte insultado pelo cachorro. A polícia civil estava de olho. O rapaz nervoso saiu falando alto , xingando os donos do vira-lata. E a hora não passava. Uma jovem senhora negra, cabelos grisalhos, sorriso largo, simpática , estava ali também para pegar convites para mãe e reclamava da demora, porque tinha ainda que ir ao cemitério limpar o túmulo do pai, pois era o último dia para tal tarefa. Deus! Só aí caíra a ficha! Estávamos às vésperas do dia de finados. E o túmulo de meus pais, meus irmãos? Jazia ali, sujo, abandonado... A mulher, muito prestativa, vira minha angústia, e se ofereceu para resolver meu problema. Anotou meu celular pra pedir que a senhora que limpa túmulos me ligasse. Fiquei mais tranquila. Mas isso não acontecera. Na manhã seguinte, levantei apressada e lá fui atrás da mulher. Dona Ana, uma senhora imensa, taciturna , emburrada, sempre de mau-humor. Cheguei esbaforida, falei que tinha me esquecido, blá, blá , blá , nada ! Nem se comoveu. O prazo terminara. Já não podia fazer nada. Voltei para casa decidida. Peguei um vidro de detergente, uma garrafa de água , uma bucha, panos e lá voltei . O túmulo de meus amados não ficaria sujo. O sol estava de rachar. Em menos de meia hora , enquanto conversava ora com minha mãe, ora com meu pai, ora com minha irmã , ora com meu irmão , pedia perdão, esfregava cada azulejo, o túmulo ficou brilhando, cheirando à dor da saudade. Deus sempre manda anjos para me lembrar. Bendita mulher da fila do teatro.