O VELHINHO E A CHUVA DE MOEDAS
Há um episódio em minha infância que, vez ou outra, me assalta a memória e me remete ao tempo em que brincava nas ruas de terra do meu bairro. De uma família de seis irmãos, nesta época vivíamos em situação financeira muito difícil. Comprar um picolé, biscoito recheado ou quaisquer guloseimas tão adoradas da infância eram extravagâncias que raramente podíamos experimentar. Nesta mesma situação vivia grande parte das crianças da vizinhança com as quais cresci.
Sem querer exagerar no peso dado aos meus “problemas” de criança, mas cada um que calça o sapato sabe onde este aperta , então, para o meu eu criança, a falta de acesso aos doces era um problema sério.
E eu gosto de pensar, e assim creio, que em meio às dificuldades da vida (mesmo nas coisas aparentemente pequenas da infância) Deus sempre encontra uma maneira de nos proporcionar alívio e nos trazer sorrisos. Na maior parte das vezes Ele usa instrumentos, pessoas que, mesmo sem se dar conta, fazem a diferença de forma muito significativa em nossa jornada.
Nesta fase da minha vida havia um velhinho, vizinho da minha tia, que morava uma rua acima da minha casa. Seu nome era Salvador, a quem chamávamos de “Seu Salvador”, um senhor muito franzino, já debilitado pelos anos, curvado ao peso da idade. Ele fazia a alegria da criançada quando nos reunia em frente à sua residência, ali mesmo, na rua, e anunciava que iria fazer “viva” de moedas. “Viva” era a palavra que nomeava uma forma muito “democrática” de distribuir alguma coisa sem privilegiar ninguém: com o objeto em mãos, lançava-se para o alto e, aquele que conseguisse apanhar, ainda no ar ou mesmo no chão, seria o dono. Recordo que sempre que estávamos brincando nas proximidades da casa dele ficávamos atentos, numa grande expectativa, esperançosos de que ele fizesse o “viva” de moedas. Quando ele nos chamava era uma euforia só. Nos amontoávamos e ficávamos de olho em suas mãos magras, tentando adivinhar qual seria a direção do lançamento, na esperança de levar alguma vantagem. O coração acelerava e já preparávamos o físico para empurrar os colegas que, naquele momento, seriam os nossos adversários no campo de batalha imaginário para conquistar os centavos lançados ao alto.
Quando aquelas pequenas moedas subiam, luzindo como ouro, nossos olhos brilhavam, os lábios se abriam em sorrisos e gargalhadas, havia gritaria, correria e empurrões. O velhinho também se divertia ao ver a algazarra da criançada. Era como uma aventura em busca dos tesouros que nos caíam do céu para transformarem-se mais tarde em balas, pirulitos, biscoitos recheados, chicletes e picolés.
Hoje, aquelas moedas continuam sendo tesouros, grandes tesouros em forma de preciosas lembranças da minha infância. Não recordo se alguma vez agradecemos a ele pelo que fazia, mas sou grata a Deus por ter despertado nele o desejo de fazer este gesto tão simples para ele, mas tão valioso para mim e para todas as crianças da nossa rua.