O tempo revela segredos
É domingo. O sol esparrama seus raios na manhã de primavera de um céu azul e sem nuvens, quando ele aporta no vilarejo de Santa Clara. O jovem desperta a atenção dos moradores pela maneira como se veste. Usa terno escuro, chapéu preto e a mochila às costas. Caminha pela rua da praça em direção à matriz, anda alguns metros, e senta-se embaixo da frondosa mangueira para apreciar a paisagem...
Observa a sua frente, do outro lado da praça, a igreja imponente; vê o casario e a simplicidade do lugar e percebe que ali, vive um povo ancorado pela religiosidade. Enquanto espera pela reunião com Padre Antônio, o líder da comunidade, sente o olhar curioso dos transeuntes. Eles o olham com a natural interrogação devotada a um estrangeiro. Se eles soubessem que a sua visita é apenas um acerto de contas com o passado...
Seu nome é Martim Lutero, mas gosta de ser chamado de Martim Pensador, nome que ganhou ainda na adolescência, porque tinha a mania de matutar sobre qualquer assunto. Ao ser questionado, parecia não entender a pergunta, mas sempre devolvia respostas inteligentes. Pensava antes de responder.
O porte elegante do recém-chegado contrasta os cabelos longos atados no clássico rabo de cavalo, que deixa entrever por debaixo do chapéu. Esguio e reservado, tem o olhar triste e a ruga na testa, cujo semblante denuncia um preocupação irrevelável. Mas, exibe nos gestos, a finesse da reverência com que presenteia cada pessoa que cruza o seu caminho.
Vai até a pensão de Dona Henriqueta, a primeira moradora da cidade a acolher o andarilho. Ali, ele encontra uma espécie de lar. Mulher falante, ela arrisca a dizer que conhece de longe quando uma pessoa presta. Na sua filosofia, homens de êxito permanecem sempre em movimento. Eles podem até cometer erros, mas nunca se dão por vencidos.
Martim sabe usar as palavras e tecer frases enigmáticas, que despertam nas pessoas o voo da imaginação. Revela-se um verdadeiro poeta e traduz a beleza oculta que está por detrás das ações de cada ser humano.
O tempo passa. Torna-se professor de arte literária da única escola do lugar. Vive cercado por jovens e crianças. Cria o movimente da arte livre e espalha mensagens de paz e amor nos muros das casas. Escreve belas poesias. Projeta seus desenhos de arte contemporânea, refletindo a essência do lugar. O homem, que veio de longe, influencia a vida daquela comunidade.
— Visão é a arte de ver o invisível, costuma dizer aos mais céticos, ao reproduzir a frase de Jonathan Swift.
Martim Pensador torna-se um personagem amado pela comunidade. É reconhecido por suas metáforas, qual pássaro, sem pouso certo, mas ávido para explorar a fonte dos saberes. A música e a dança são seus instrumentos de trabalho, com os quais propõe um toque de leveza à vida dos habitantes da cidadezinha. Sua missão é inspirar e transformar pessoas.
Nas aulas, ele incentiva os jovens a desenvolverem suas qualidades e diz que todos têm potencial para mudar o mundo, mas poucos estão dispostos a fazer a travessia. Ensina que só quem acredita no ser humano é capaz de criar novas realidades e sonhar com um mundo sem guerras.
Quando lhe perguntam, o que é ser poeta, ele divaga e responde que é preciso ver, com os olhos da alma, a verdadeira emoção; ir além, e saber enxergar a beleza nas pequenas coisas do cotidiano. Apreciar no simples botão de rosa a exuberância da flor. Para ele, ouvir o canto dos pássaros é como escutar uma sinfonia. E conclui:
— Ser poeta é chorar, é sorrir, é sofrer... Ser feliz e amar.
O cenário daquele povoado se conecta com o seu destino e reconstrói sua nova história. Traído pelo destino, o forasteiro guarda a sete chaves um mistério do passado. Algo que ele não deseja mais revelar; não por vergonha, mas para preservar a vida de simplicidade daquelas pessoas. Pouco antes de morrer, a mãe lhe revelou que seu pai é o Padre Antônio. Não há segredos que o tempo não revele...