Tara

Tara

"Ela gostava de usar tara nos cabelos finos e limpos. Era uma simples tara de plástico marrom, sem valor algum, a não ser a valiosa lembrança de sua avó paterna. Em suas recordações de menina lembrava da velha cabocla ranzinza que ramente sorria ou dizia palavras doces. Era sua avó, independente de sua natureza amarga. Ela a amava, e amava ainda mais a lembrança dela acocorada no velho fogão de barro atiçando a pouca lenha procurando a cinza branca para ariar os dentes com fumo de rolo negro. Os cabelos ralos, longos, e finos teimavam em fugir da grade de sua velha tara marrom, sendo logo aprisionados num coque preso pela tara. Ela era sua avó. Ela era a responsável pela existência de seu pai e em consequência a sua. Podiam ate dizer que não mas a velha quase índia, de pele escura e queimada pelos sóis de anos no cerrado podia ser doce." O que tá olhando Martha?! Tá me achando bunita?!" Ela dizia com voz quase estridende, cadenciada e aparentemente irritada e zangada ao flagrar a neta a observá-la de forma quase invasiva. Ela corria rumo aos pés de manga sem saber que a velha avó voltava a sua tarefa de ariar os dentes, cuspir fumo no fogo e fazer café, enquanto sorria enternecida pelo sorriso da neta ao ser pega curiando-a secretamente. Ela não sabia que podia fazer a avó sorrir com o coração quente e enternecido.

LadyM

19.10.2019