O cagar dos pintos aos meus oito anos

A lembrança de hoje me leva aos meus seis, sete, oito anos. Eu sempre acordava muito cedo, "no cagar dos pintos", como gritava a minha mãe ao bater na rede onde eu dormia para eu ir à padaria comprar R$ 1,00 de pão misturado (pão-massa-grossa e pão-massa-fina), quando cada um ainda custava R$ 0,10. Eu odiava, confesso, mas eu tinha que cumprir aquela tarefa a qual, entre os cinco irmãos, foi a mim confiada.

Às vezes, surgiam algumas resmungadas. Por outro lado, a matriarca sempre tinha um sermão na ponta da língua: "Mamãe me acordava às 4h da manhã dizendo que o sol já era o de meio dia". Na citação, "mamãe" era a avó da minha mãe, que a amou mais que a própria mãe. Em casa, com os pães em mãos, eis a hora do café da manhã, a primeira refeição do dia para os sete que compunham aquele núcleo familiar. Dentre os irmãos, éramos o Dedê, já falecido, a Dedeca, nem estuda nem trabalha, a Tchutchuca, mãe aos 17 anos, a Joynara, irmã de criação que banca a ministra Damares do bairro onde crescemos, e eu, o Eduardo, agora Édrian Santos. O pai e a mãe eram o rei e a rainha do lar.

Todo mundo sempre sonhou em ter uma família de comercial de margarina. A gente lá de casa, nunca. Na verdade, a gente sempre sonhou em ter o café da manhã de um comercial de margarina. Ops! Margarina, não! "Manteiga". Até hoje, não entendo por que todo maranhense chama margarina de manteiga. De volta aos comes e bebes, a mãe e o pai sempre comiam dois pães, um massa-grossa e um massa-fina, cada. Aos filhos, sobravam seis. Eu comia um, a Joynara, outro, o Dedê também, assim sucessivamente. Vez ou outra, a Joynara e eu conseguíamos persuadir os irmãos mais novos para que o pão restante fosse divido entre só nós dois. Quando a negociação não funcionava, aqueles centímetros de trigo assado eram dividos entre os seis famintos.

Antes do ritual do café da manhã, todos os irmãos se arrumavam para irem à escola. A rotina dos banhos era mais ou menos assim: pega galão. Enche galão. Derrama água do galão. Isso se repetia algumas vezes durante o processo em que cada um levava para encher o seu próprio balde d'água para banhar – não tem essa de "tomar banho". É BANHAR mesmo. Em seguida, a gente corria em busca dos primeiros raios de sol para ficar de "coca" (cócoras). Naquela posição, pelados, permanecíamos estáticos pelo menos 20 minutos, tempo necessário para o corpo secar completamente. Corremos ao quarto, o único da casa, vestimo-nos, voltamos à cozinha, cada um pega um púcaro de manteiga cheio de água, a escova de dente e...

— Mãe, não tem mais pasta!

— Escove com sal!

Para os filhos da rainha, que tinham nada de príncipes e princesas, ordem dada era ordem cumprida. A sensação de usar sal no lugar do creme dental era horrível, mas não podíamos ir à escola sem a higiene bucal. Com os blusões brancos encardidos e as calças azuis de elanca desgastadas, saíamos os cinco irmãos rumo à Unidade de Educação Básica Zuleide Andrade. Em pensar que as minhas únicas preocupações daquela época se resumiam as três primeiras horas daquele "cagar dos pintos". Ah, os meus oito anos que os minutos, as horas, os anos não trazem mais! Você me entende, Casemiro?

Ator: Édrian Santos

Eduardo Adriano Santos
Enviado por Eduardo Adriano Santos em 19/10/2019
Código do texto: T6773882
Classificação de conteúdo: seguro