Qual é a cor do paramento do padre, Nenê?
Ao cabo de uma penosa e malograda tentativa de criar gado na região de Unaí, no iniciozinho da década dos sessenta, a família Barcelos, ou Vasconcelos...? voltou para Pitangui, mais descapitalizada e menos esperançada.
Dona Maria, a matriarca, reuniu a gurizada em torno da mesa e lhes apresentou o cardápio: fé em Deus e dedicação estudo e ao trabalho. Quanto ao primeiro quesito conclamou a prole, cujo primogênito era o Nenê, com seus dezesseis anos, que não deixassem de cumprir suas obrigações religiosas, reservando uma hora e meia por semana para que não faltassem à missa dominical; quanto ao segundo caso, que se esforçassem ao máximo com os cadernos e compêndios, pois o estudo - frisava - era a sombra do corpo, e no tocante ao trabalho para comporem a subsistência familiar, que buscassem por todos os meios uma ocupação de engraxate, maleiro, capinador de quintais, serviços miúdos para o aprendizado maior, da vida, que viria logo mais...
De cara, Nenê, descartou os estudos e se prontificou a ajudar no sustento, ao resto da irmandade dando alento. E seguiu à risca o conselho da mãe que descontasse o INPS, mensal e religiosamente, para assegurar sua aposentadoria.
Quando numa nova rodada de conselhos e avaliações, Dona Maria voltou a arguir Nenê, sua pergunta foi essa:
- Qual é a cor do paramento do padre, Nenê?
A resposta, em duas tentativas, foi flagrantemente decepcionante:
- Azul... vermelho?
E o esculacho maternal veio, como um raio, mas também com alguma ironia:
- É roxo, Nenê, roxo é a cor da Quaresma e você não tá indo a igreja nada...
Não sei mais do pendor eclesiástico do Nenê, que veio a estabelecer um bar bem frequentado na praça da Igreja de São Francisco, a sesquicentenária mais bela construção religiosa da cidade, com suas linhas ao mesmo tempo de uma singeleza e sobriedade que cativam de imediato olhos, alma e coração...sem carecer que o passante a frequente para registrar e guardar essa emoção...
E das melhores lembranças dos conselhos de Dona Maria, Nenê, com todo afeto, se jacta da carteirinha amarela de contribuinte do INPS, tirada aos 16 anos que não só lhe assegurou a dignidade de uma aposentadoria e, ei-lo agora falando a sotto-voce: foi também seu primeiro salvo-conduto, quando ainda de menor, foi abordado no Bacolelê, a zona boêmia da cidade, e em razão de sua documentação em boa ordem, liberado pelo Cabo Otávio e o Soldado Tomé...que não eram de dar moleza para a garotada...