Vidas sofridas

Aquele seria um grande dia para qualquer casal, mas para Etelvina não.
Logo nas primeiras horas da madrugada começou a sentir as dores do parto. Lentamente arrumou o parco e pobre enxoval que havia conseguido fazer para o bebê e sozinha foi para a maternidade que ficava próxima de onde morava.
Sim, sozinha, pois nos últimos tempos, Ariosvaldo, seu companheiro, já o deixou de ser. Libertara-se. Melhor só e em paz, que acompanhada e sofrendo agressões daquele cuja profissão era gigolô.
Os solavancos do ônibus eram um martírio para ela, posto que além da gravidez contava com o peso dos seus quarenta e cinco anos. Aquela viagem, que era curtíssima, parecia não ter fim - mesmo já estando acostumada, pois a fizera algumas vezes nos últimos meses. Entretanto, só o ato de pensar na felicidade de ter seu primeiro filho a recompensava por todo aquele sofrimento e risco.
Um menino!
Foi informada quando fez a ultrassonografia pelo médico que a acompanhava.
Com certeza seria um grande companheiro nas futuras lutas, pensava.
Chegou à maternidade exaurida, e como acontece com a maioria das brasileiras, demorou a ser atendida. Estava em um hospital público e o médico que a atendia esperou até o último momento na tentativa de um parto normal, para só então realizar a cesariana.
Grande surpresa em seguida. O tão esperado menino na verdade era uma menina, e Etelvina não pensou duas vezes. Chamaria a criança de Maria Clara. Maria porque era devota de Nossa Senhora, e Clara porque tinha a esperança de que ela viera para modificar e clarear sua vida dali para sempre.
Etelvina praticamente dobrou o número de faxinas que fazia. Trabalhava qual uma condenada, pois agora tinha a filha e prometera a si mesma que faria dela uma doutora. Em momento algum descuidou da educação da menina e sempre que podia a ajudava nos estudos e a acompanhava na escola. Sua preocupação maior era defender a filha das maldades do pai, que conhecia tão bem e sabia do que era capaz.
O tempo passou, a idade chegou e a doença se fez presente.
Tudo ficou mais difícil.
Etelvina já não tinha mais a energia necessária para manter a educação da filha, e com isso Maria Clara, aos dezesseis anos, viu-se só na luta para vencer.
Foi quando apareceu a figura do pai.
Estranhou!
Seu pai era bem mais velho que sua mãe. No entanto, sendo forte e saudável, tinha a aparência de vinte anos mais jovem.
Sua conversa fácil logo a envolveu e a promessa de uma vida melhor a encantou. Ariosvaldo, usando das artimanhas que lhes eram peculiar, a arrastou como a mãe no passado, para a prostituição.
Qual não foi o desespero de Maria Clara quando, já envolvida até o pescoço naquela profissão, sua mãe, no leito de morte, quis saber como a filha estava conseguindo o dinheiro para manter seu dispendioso tratamento.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 15/10/2019
Reeditado em 15/10/2019
Código do texto: T6770574
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