Mentira que retrata verdade
"Eu estou-me sempre a enganar, como Deus."
Pablo Picasso
Os raios do sol da manhã de verão refletem-se na fachada do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, na capital da Espanha. No espaço público em frente à majestosa arquitetura do final do século XVIII, as pombas gorjeiam ariscas entre as pessoas que cruzam apressadas de lá pra cá.
As três amigas, Helena, Luna e Paloma, chegam à bela Madri para conhecer a história da Arte contemporânea. No saguão do aeroporto, em meio ao burburinho das vozes que se mistura ao som do alto-falante, elas seguem a multidão que se desloca até a saída do terminal. Helena se dirige ao guarda, que de braços cruzados próximo a porta observa o movimento. Solícito, ele repassa informações com sotaque carregado pelo dialeto.
As três amigas entram no táxi e vão direto para a abertura da Exposição no Museu Nacional. Explicam ao motorista num fluente espanhol, que estão atrasadas. Ele acelera o carro com toda a potência do motor pelas ruas da cidade. Vinte minutos depois, olham extasiadas para o austero edifício setecentista, que um dia foi hospital, e hoje faz parte do Triângulo de Ouro da Arte de Madri.
Helena está eufórica. Finalmente vai realizar o sonho vivenciado nos livros que leu para a sua tese de doutorado. Ao adentrar ao ambiente, aspira os cheiros amadeirados, de flores, de café e de pimenta que se espalham no ar. Os aromas se misturam, e sob o som da música instrumental, ajudam a entender o significado da arte nascida das paixões humanas e dos sonhos de liberdade.
O acervo do Museu é dividido conforme períodos históricos. A visita começa pelo segundo andar, onde estão as obras da virada do século XIX para XX; lá, as três jovens compreendem os horrores da II Guerra Mundial; depois, vão ao quarto andar para ver o famoso maio de 68 francês (conflitos entre estudantes e autoridades da universidade de Paris). E retornam ao térreo e ao primeiro andar, onde podem observar as marcas das ditaduras latino-americanas, dos movimentos de esquerda e do ativismo artístico da região.
Terminada a visita, elas vão até o último andar da ala moderna, para ver o show arquitetônico ao vivo e a cores. Deparam-se com a vista da cidade super bonita, e a decoração é um arraso.
A exposição de arte evidencia a profunda reflexão sobre a história espanhola. Helena está fascinada diante da estrela de maior grandeza do Museu, a obra Guernica, a mais importante criação de Picasso. Milhares de turistas chegam para conhecer o legado de Pablo Picasso, e de grandes artistas como Salvador Dali, Juan Miró e outros monstros sagrados.
Guernica é como um grande mural, que expressa a dor das vítimas, por ocasião do bombardeamento à cidade espanhola de mesmo nome. O fato aconteceu durante a Guerra Civil Espanhola, em 27 de abril de 1937. A obra simboliza a crítica ao fascismo alemão, onde o autor buscou despertar nas pessoas o repúdio à guerra.
Conta-se que por vontade do artista, a obra permaneceu por muito tempo em Paris. Picasso pediu que a tela só retornasse à Espanha quando o país fosse novamente uma democracia.
O quadro denuncia sentimentos de aflição, dor, insegurança e sofrimento. As cores em tons cinza, preto e branco remetem à morte, ao horror, à guerra e à destruição. A simbologia no conjunto da obra traz a ideia da luta, da violência, mas ao mesmo tempo o recomeço, a esperança de um povo inocente que se viu massacrado pela ambição.
Na definição de Picasso, "Guernica é a mentira que permite conhecer a verdade."