Pensamento positivo
– Querer é poder – disse Marco Aurélio para Robson, então desanimado antes do início da conversa; agora, ouvidas as palavras animadoras de Marco Aurélio, e a sentença estimulante, motivadora, animou-se Robson, que prometeu para si mesmo que seria bem-sucedido em seu empreendimento.
Robson queria ser arquiteto. Não se classificara, no ano anterior, no vestibular. E neste ano prestaria exame vestibular.
– Chute para escanteio a tristeza, Robson – aconselhou-o Marco Aurélio. – Pense positivo. Pense positivo, sempre. Diga para você mesmo: “Eu conseguirei. Serei um arquiteto. Estudarei em uma faculdade de arquitetura. Serei um arquiteto.” Esteja certo, Robson. Você será um arquiteto. Pense positivo. Pense positivo, sempre.
Robson não foi o único candidato à vaga à uma cadeira na faculdade de arquitetura que pensou positivo. Outros seis mil jovens prestaram vestibular para ingressarem na faculdade de arquitetura, e todos eles tiveram a mesma idéia: Pensar positivo. Eram cinquenta as vagas à disposição dos candidatos. Façamos às contas. Seis mil candidatos para cinquenta vagas. Para cada vaga, cento e vinte candidatos.
Evoco, de memória, uma história que ouvi, certa vez, de meu avô. Ele me disse que, certa ocasião, não me recordo se na copa de 58, se na de 62, se em outro campeonato de futebol, Garrincha perguntou, com a sua sutileza de passarinho (em uma época em que ele estava no auge) à pessoa que disse que o Brasil tinha de ganhar o jogo:
– Já combinou com os suecos?
A história foi mais ou menos essa a que meu avô contou-me. Talvez eu a tenha alterado, mas ela me serve para ilustrar o que se sucedeu com Robson.
Os seis mil candidatos às cinquenta vagas do corpo discente da faculdade de arquitetura não sabiam que Robson pensava positivo e Robson não sabia que eles pensavam positivo. Os pensamentos positivos dos seis mil candidatos colidiram-se uns contra os outros no dia da prova. E Robson soube, poucas horas depois de encerrado o tempo à disposição para os candidatos responderem às cem questões, o gabarito às mãos, comparando as respostas corretas com as que registrara, para seu desgosto, que acertara menos de cinquenta por cento das questões, e não se classificaria, não lhe restavam dúvidas, entre os cinquenta melhores candidatos. Daria adeus, persuadiu-se, ao seu sonho de cursar a faculdade de arquitetura.
No dia seguinte, Robson encontrou-se com Marco Aurélio, e falou-lhe do vestibular:
– Acalme-se, Robson – aconselhou-o Marco Aurélio. – Você conferiu o gabarito, mas ainda não foi publicada a lista dos candidatos classificados. Das cem questões, você acertou quarenta e oito, o que corresponde a quarenta e oito por cento das questões. É uma porcentagem baixa de acertos, o que não dá a você razões para se preocupar. E digo isso porque li, anteontem, uma reportagem, publicada na revista **, na edição da semana passada, apresentando os resultados de uma pesquisa. Pasme-se, Robson. Ouça-me, atentamente, e alegre-se. Um pouco mais de cinquenta por cento dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais. Pense positivo. Pense positivo, sempre. Muitos candidatos, é certo, foram, no vestibular, piores do que você. Pense positivo. Pense positivo, sempre.
– E se o resultado da pesquisa estiver errado? – perguntou Robson.
– Provavelmente está – sentenciou Marco Aurélio, sorrindo. – Corrijo-me: Está errado, certamente. Lendo a pesquisa financiada por um órgão público, ou por um órgão particular financiado com dinheiro público, e indicando problemas que não se pode varrer para baixo do tapete, então, digo, sem o receio de errar, adulteraram-se os resultados, reduzindo-se os seus pontos negativos. Pense: Se os resultados indicam que cinquenta por cento dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais, então… Pense, Robson. E pense positivo. Pense positivo, sempre. E conclua o meu argumento. Complete o meu raciocínio. Então, adulterado o resultado, foi reduzida a porcentagem de alunos analfabetos funcionais do total do corpo estudantil brasileiro. E os analfabetos funcionais correspondem a sessenta por cento, ou a oitenta por cento, ou a cem por cento dos universitários, e não aos um pouco mais de cinquenta por cento indicado pela pesquisa; então, é a conclusão óbvia, ou sessenta por cento, ou oitenta por cento, ou cem por cento dos candidatos à faculdade são analfabetos funcionais.
– Se cem por cento – comentou Robson – são analfabetos funcionais, então eu também o sou, e não sabia; então… qual é a minha chance…
– Pense positivo, Robson. Pense positivo, sempre. Consulte a lista dos nomes classificados, e… Pense positivo. Pense positivo, sempre.
Duas horas depois, Robson consultou a lista com os seis mil nomes de candidatos. O seu nome ocupava a 2394ª posição. Cabisbaixo, Robson rumou para a sua casa, à porta da qual encontrou Marco Aurélio; voz tatibitate, fisionomia murcha, suspirando a curtos intervalos, falou-lhe da sua desclassificação.
– O que se pode dizer, Robson? – perguntou Marco Aurélio. – Todos os outros candidatos pensaram positivo. Alguém tinha de ser desclassificado, não é? Se eu fosse você, pensaria positivo, pensaria positivo, sempre, e tentaria o vestibular novamente; poderemos corrigir os nossos erros, aliás, você poderá corrigir os seus erros, afinal, contou-me você, você não estudou para o vestibular…
– Você me disse que bastava eu pensar positivo, que as coisas aconteceriam por si.
– Robson, pense positivo, mais uma vez, e estude, que você se classificará no vestibular, e se inscreverá na faculdade de arquitetura, com certeza.
– Você acredita? Marco Aurélio, pense positivo, pense positivo, sempre. A minha vontade é a de acertar um soco na sua cara e quebrar seu nariz. Pense positivo, Marco Aurélio. Pense positivo, sempre. Pense que você poderá esquivar-se da bordoada. Pense que eu escorregarei, e você fugirá de mim. Pense que cairá um raio em minha cabeça. Pense positivo, Marco Aurélio. Pense positivo, sempre. E saiba que eu, pensando positivo, pensando positivo, sempre, acertarei, positivamente, um soco nas suas fuças…