E se fosse uma bomba?

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe no meio da travessia. (João Guimarães Rosa)

Melina está ansiosa para desembarcar na terra dos Verdes Mares e sentir o prazer de sua primeira viagem internacional. Alertada para chegar duas horas antes do voo, atrasa meia hora. Não gosta de regras preestabelecidas. Só quer evitar o tédio das filas intermináveis e não ter que matar o tempo na revistaria ou no cafezinho.

Faz o checkin e caminha triunfal para a sala de embarque como quem não tem nada a temer. Mas tem pressa; tenta passar na frente de uma senhora, porém o guarda a detém e faz um sinal para esperar a sua vez. A moça nem se constrange, vai para atrás da passageira, com o olhar inquieto. A mulher remexe na bolsa, encontra a passagem, e pede desculpas.

Melina é esquisita e não suporta os conservadores. Se alguém olhar para a direita, ela certamente olhará para a esquerda. Nunca faz o mesmo trajeto, porque prefere viver o diferente. Usa roupas largas, brincos de argolas grandes e percing no nariz, na orelha e onde mais ela quiser. Os cabelos eriçados parecem nunca ver escova, mas é o seu jeito livre de ser…

Atabalhoada, coloca a mala na máquina de raio-x, passa no circuito, mas a bagagem fica retida. Fecha os olhos, incrédula; experimenta aquela sensação de náusea e calafrios percorrem-lhe a espinha só em pensar no que pode acontecer. O agente tira a mala da esteira, com aquela calma irritante, e pede para aguardar.

O primeiro pensamento é sair dali correndo e abandonar a bagagem. Mas o tumulto chamaria atenção. Enquanto pensa num meio de fuga, sente a acusação velada no olhar do agente. Uma criança começa a chorar. É a deixa para escapar, mas prestes a tomar a decisão, vê um homem de uniforme, com um cão policial pela coleira, e paralisa.

Minutos depois é levada até a área restrita do aeroporto e se junta a outras quatro pessoas. Vê as cinco malas, uma ao lado da outra, enfileiradas. Melina está tão nervosa, que nem percebe que todas as malas são iguais. Há tensão no ambiente e três agentes só esperam para agir. A porta se abre e entra o homem com o cachorro.

Aquele cão dos infernos estica a corda, com as orelhas em pé e dentes arreganhados. O animal se aproxima e joga as patas sujas e certeiras em cima de uma das mala; abocanha várias vezes até dilacerar o tecido. Melina olha perplexa para o estrago e pensa que é a sua mala. Mas não entende quando o agente a convida junto com outras três pessoas para acompanhá-lo, deixando apenas um rapaz na sala.

Pressente que está em apuros e precisa de ajuda, mas sabe que seu pai não vai ouvi-la. Da última vez, ele apenas dissera: Não me procure mais. Tudo porque ele não aceita a sua liberdade de expressão…

Na pequena sala, o agente da Polícia Federal dá uma longa explicação sobre pessoas que usam o aeroporto para transportarem drogas. Nervosa, Melina esfrega as mãos, e só espera pela palavra mágica: A senhora está presa! De repente, ouve a frase que a deixa desconcertada:

–Os senhores estão livres e podem prosseguir no voo.

O agente explica que as cinco malas eram da mesma cor e tamanho, inclusive mesmo fabricante. O sistema identificou a droga numa das bagagens e atribuiu a informação a todas as malas iguais, e não dá muita importância a falha, acrescentando, com indisfarçável orgulho:

– Trabalhamos para a segurança de todos.

Melina questiona a humilhação sofrida pelo erro, mas o agente interrompe:

– Se fosse uma bomba, a senhora se sentiria humilhada em colaborar?