Um crime em Roseiral II
Bruno empertigou-se um pouco quando recebera uma mensagem da Diocese informando sobre a chegada da família real a cidade. Sabia bem o que a visita dessas figuras significava: missa campal. Não concordava com essa prática estranha de rezar missas para objetos ou coisas afins e não pretendia abençoar as rosas do Roseiral da Rainha, mesmo correndo o risco de ser seriamente advertido por sua insubmissão. Porém, parecia improvável que qualquer coisa de natural ou sobrenatural pudesse impedir a tal missa e a benção do roseiral, que seria reinaugurado após meses de reforma e revitalização com dinheiro público, fruto de maracutaias entre o prefeito e vossa alteza real o fajuto príncipe.
Torceu o bico, rezou, mas nada aconteceu e acabou tendo que vestir sua batina para celebrar a benção especial as oito horas em ponto. Foi caminhando para a praça e avistou de longe a multidão de curiosos e os enlouquecidos repórteres que se apertavam entre os gradis do parque, que ainda se encontrava fechado. Parecia que toda cidade estava em êxtase, sob o efeito da delirante família Orleans e Bragança, de quem só ouvira falar mesmo nas fatigantes aulas de história que tivera na escola e, mais tarde, no seminário. Lembrava-se ainda dos olhos arregalados de Padre João ao falar sobre a lascívia de Carlota Joaquina e as práticas iníquas de vossa majestade, o príncipe Dom Pedro. Tudo aquilo parecia-lhe muito surreal e estranho no século XXI, como se as pessoas estivessem buscando qualquer figura digna em que se agarrar, já que os seus governantes estavam ateando fogo a república conquistada, justamente, as custas da queda da monarquia que agora exaltavam aos gritos e berros. Ainda assim, estava lá, de pé, olhando pasmado para os carros oficiais que já começavam a chegar aos cachos. Alguns tão caros, que poderiam pagar toda a reforma da igreja, que aliás estava prestes a cair sobre as cabeças das beatas, que ao invés de fazer qualquer coisa a respeito, preferiam comentar sobre a vida alheia e até sobre a beleza inapropriada do padre, que poderia levar as meninas mais jovens a pecar.
- Monsenhor, me perdoe, mas não faz sentido algum essa reclamação. Que culpa posso ter eu de minha beleza? – Bruno lembrou-se entre risos do dia em que fora advertido por, supostamente, estar desviando a atenção das fiéis da santa missa. – Não posso arrancar o meu rosto ou mesmo exorcizar a minha beleza.
-Em nome de Deus, Bruno. Não deboche de algo tão sério.
-Monsenhor, mas o que quer que eu faça?
-Ora, eu que hei de saber?
As beatas eram fogo! Por isso mesmo é que procurava ser sempre discreto, embora fossem inevitáveis os falatórios. Enquanto refletia sobre isso, foi praticamente empurrado por uma multidão de loucos e acabou tendo que, a contragosto, subir as escadarias do pequeno palco que armaram para a benção, dando de cara com seguranças carrancudos e dondocas irritantes. Aquele seria um longo dia.