(in)comum
Sinceramente, não sei como posso ser assim. Se pararmos para pensar nós nem somos alguém. Nós fazemos várias coisas pra ocupar o espaço de tempo indeterminado na terra que chamamos de vida. Será que é só isso? Será que estamos interpretando de maneira errada nosso papel no mundo? Ou talvez o antropocentrismo nunca tenha saído de moda. Tudo se volta para nós mesmos não é? Os problemas, as soluções, os amores (e a falta deles). Falo nisso porque tenho dúvidas sobre mim mesmo.
Outro dia eu estava no caixa do supermercado, comprando várias besteiras pra preencher minhas noites mal dormidas e com pensamentos depressivos, e me deparei com um casal de rapazes, bonitos, padrões e com grande probabilidade de traírem um ao outro em aplicativos de sexo casual. Claro que essa última suposição se baseia na minha inveja, embora eu não seja tão feio com a minha altura na média, corpo magro e rosto comum. Mas ao olhar pra eles eu não me senti menor, mas sim diferente. Não que eu quisesse ser igual, mas tipo, como se eles fossem normais e eu não. Como se eu fosse a única cidade com 0% de pobreza num país subdesenvolvido. É estranho e desconfortante. Não pertencer a algo e ao mesmo tempo não querer pertencer porque por mais que você se esforce não vai adiantar. Você será sempre você, mesmo sem saber o quê.
Nossa, eles são tão copiáveis. Basta eu entrar numa academia, aparar a barba, vestir roupinhas com tom sobre tom e pronto. E aí outros vão me copiar também. É um vírus autoimune. Mas e por dentro? Será que esse vírus também muda o sistema psicológico? Como eu vou me portar em certos lugares e com certas pessoas, por exemplo. Eu nunca fui a uma festa com vários amigos e virei a noite ingerindo álcool até ser carregado pra casa. Eu sequer bebo mais de uma latinha, em casa mesmo, ouvindo Lana del Rey. E eu nunca fui de fazer costume. Até mesmo quando era criança não sabe interagir entre os assuntos da turma, super alheio ao que parecia comum entre todos. Em casa eu assistia desenhos -principalmente Rugrats - E escutava músicas aleatórias no MP3. Enquanto isso a maioria conversava com seus best friends por mensagem de texto no celular ou bate-papo na internet onde falavam também com outros 200 contatos estranhos.
Sempre quis saber se outra criança ou adolescente era assim também, incomum. Mas no fundo no fundo eu queria que não houvesse. Hoje entendo que todo mundo é diferente, pelo menos a priori, mas por minha experiência acho que existem os diferentes do diferente.
Agora o casal caminha feliz em direção a saída esbanjando naturalidade e daqui a pouco tiram uma selfie pra um post nos stories com a legenda "dia de compras com o mozão". Isso nem quer dizer que são felizes é claro. Felicidade pra mim não é ter ou fazer o que gosta quando, onde e com quem quiser. Isso é liberdade, muito diferente. Felicidade pra mim é possibilidade, se você não tem então não é feliz. Mas é complexo também. Mesmo tendo várias possibilidades você se atém a uma pra ser feliz. E é assim que felicidade vira padrão.
A mulher do caixa olha pra mim enquanto passa os vários pacotes de biscoito, chocolate e caixinhas de suco com 60% de corante. "Muito diferente daqueles dois rapazes que estavam aqui" ela deve pensar. Você também é diferente sua idiota, só não sabe ainda. Eu vou pra casa ser eu mesmo, seja lá o que eu seja (ou não seja), fugindo de várias possibilidades. Possibilidade de ser como aquele casal, como aquela caixa ou como qualquer outra pessoa que pareça comum. Mas eu também sou comum, e talvez seja isso que me irrite.