Contrafação
Manuel Fendler ouviu impassível o editor-chefe do jornal, Ewald Heitz, enquanto este enumerava as acusações.
- Você nega? - Indagou Heitz finalmente, mãos entrelaçadas sobre a mesa.
- Que eu tenha embelezado algumas das minhas histórias? Como poderia eu negar? - Questionou Fendler. - Faço precisamente o mesmo que todos aqui.
- Embelezar é um termo suave para as alterações que fez nas matérias sob sua responsabilidade - prosseguiu o editor - Não posso negar que, justamente por conta disso, você ganhou vários prêmios, mas isso só piora a responsabilidade do jornal, em não checar devidamente os fatos.
- Os fatos, na verdade foram checados - afirmou Fendler calmamente - por mim, sempre.
- Ou seja, você avalizou aquilo que sabia ser falso.
- Eu confirmei os fatos tais quais narrados no texto - prosseguiu Fendler. - Se eventualmente eu incluí algum detalhe, ou mesmo declaração, que não constava da história original, pode ter certeza de que foi para tornar a leitura mais atraente e dinâmica.
- Como vamos explicar aos nossos leitores que eles foram enganados por essa sua… bem… versão colorida da realidade?
- Você se lembra de ter recebido alguma reclamação, durante todo esse tempo, em que um leitor critique o meu estilo de redigir matérias? Talvez alguns o considerem apelativo, pouco original, mas não somos um jornal de elite, temos que falar a linguagem do nosso público.
Heitz o encarou desconfiado.
- Então o que você sugere é que deixemos tudo como está?
- Além dos leitores, os entrevistados a quem atribuí declarações inexistentes, manifestaram-se, ligaram para a redação questionando?
- Não - admitiu Heitz.
- Então, devemos supor que todos estão felizes, e que lhes entregamos exatamente aquilo que gostariam de ler - concluiu Fendler.
- Mas os nossos concorrentes… - ponderou Heitz
- Eles não têm a nossa vantagem competitiva - retrucou Fendler confiantemente.
- Qual seria, exatamente? - Indagou Heitz, braços cruzados.
- Eu, é claro - afirmou Fendler, com um sorriso.
- [21-09-2019]