Duas vidas e um destino

– Você precisa educar a sua filha. Dê-lhe alguns conselhos para não fazer escolhas erradas, vociferou Emiliano à esposa, recém-chegado da rua, e seguiu para o andar de cima do velho casarão da fazenda, sem esperar a réplica. Ela não ousaria desafiá-lo!

Dona Iolanda ouviu aquela rispidez na fala do marido, e, simplesmente, ignorou. Sentada no sofá da varanda, acarinhava Sidney deitado em seu colo, que abria e fechava os olhos sonolentos. O angorá parecia ser o único naquela casa que a compreendia. Emiliano jamais dera o braço a torcer. Foi assim, quando levou Ceciliana a estudar no convento, privando-a da companhia da única filha. A menina chorou, implorou, mas ele não cedeu.

Desde o desentendimento entre Emiliano e Santiago sobre os marcos de terras da fazenda, a vida mudara radicalmente. Um batalhão de policiais se instalou na região e seguiu-se o longo processo na justiça. Eles romperam a amizade de infância e nunca mais se falaram. Os demais lindeiros tomaram rumo na vida. O doutor Anselmo vendeu as terras e foi embora para o Mato Grosso. A viúva Quitéria foi morar com o filho mais novo na cidade. Aumentou a distância entre as famílias, enquanto o tempo se encarregara de enrijecer posturas e agravar suscetibilidades.

Não foi a perda de alguns alqueires de terra que consumiu Emiliano ao longo dos anos, mas a traição do amigo. Desde que foi surpreendido pela covardia no esbulho da sua propriedade, que ele nunca mais foi o mesmo. Quando ambos saíram do fórum, no dia em que o juiz leu a sentença, cada um seguiu caminhos em direções opostas. A cicatriz daquela lesão moral é questão de honra que levarão para o túmulo, sem revisão de acordos.

Na época dos fatos, Ceciliana tinha cinco anos; Junior, o filho de seu oponente, sete. As duas famílias traçavam uma aliança para os filhos, que brincavam como toda criança, alheios ao futuro. Na inocência, eram alvos da trama dos pais, que estrategicamente, pensavam unir as terras. As tratativas tinham como objetivo manter a tradição e perpetuar o nome de família nos domínios da região. Doze anos se passaram.

Os filhos não devem pagar pelos erros dos pais, repetia Dona Iolanda nos momentos de rara lucidez do marido. Aquela fala era uma tentativa de amenizar a polêmica que se avizinhava. A amizade proibida entre os jovens driblou toda e qualquer vigilância, e talvez por isso, que sem o saber, Emiliano andava desconfiado do comportamento da filha, que contava com a cumplicidade da mãe.

O pai era quem dava a última palavra sobre o destino da menina. Três meses de férias passaram rápido demais. Não tinha choro nem protestos. Ceciliana iria morar na capital e estudar na universidade. Tudo para proteger a filha das amizades inconvenientes. Ceciliana estava inconsolável. Só um milagre poderia salvá-la daquela situação. Os dias se aproximavam, quando Celina, a empregada doméstica, bateu à porta do seu quarto e entregou-lhe uma carta sem remetente.

Três semanas depois, Ceciliana estava a caminho da universidade, conforme o desejo do pai, e esforçava-se para não deixar transparecer a sua euforia. Levava apenas duas malas grandes com roupas e objetos pessoais. O pai estranhou aquela aceitação repentina, mas nada disse. Na carta, Junior revelara a aprovação no vestibular de medicina e sua mudança para a capital.