Culto ao corpo
Carla era uma mulher mesquinha e rancorosa, que se comprazia em infernizar a vida de seus colegas de trabalho. Quando anunciou certo dia, com ares triunfantes, que havia se convertido ao veganismo (já que, no caso dela, havia uma interpretação religiosa extrema, e totalmente equivocada), vislumbrei a possibilidade de lhe devolver um pouco do mal que nos causara. Sabendo como funcionava a mente dela, eu só precisaria apertar os botões certos para obter a reação desejada. Para meu remorso, contudo, meu plano teve mais êxito do que o previsto.
- Duvido que você tenha força de vontade para levar essa resolução de Ano Novo adiante - provoquei-a. - Mudar radicalmente de dieta exige muita disciplina.
- Então, você acha que eu não sou capaz? - Retrucou Carla altivamente. - Pois espere e verá.
Carla passou a nos dar relatórios semanais de seus progressos com a alimentação vegana, e das supostas maravilhas que a mesma lhe propiciava em termos de bem-estar físico.
- Apenas físico? E o mental? - Ironizei.
- Não se muda uma dieta do dia para a noite sem causar impactos no emocional - admitiu ela. - Mas eu vou superar isso em breve.
Eu poderia ter dito que ela andava mais irritadiça do que nunca, mas isso em nada contribuiria para o clima organizacional. Portanto, cheguei até mesmo a comentar que ela parecia muito mais calma agora.
- Está vendo como o veganismo é capaz de nos mudar para melhor? - Redarguiu satisfeita.
- Estou começando a ver resultados - comentei, e estava sendo sincero, mas não no sentido que ela poderia imaginar.
Os resultados a que eu me referia começaram a ficar evidentes poucos meses depois, sob a forma de doenças de pele, queda de cabelo e mau-hálito: a tal dieta parecia que iria fazê-la apodrecer em vida.
E finalmente, sem querer dar o braço a torcer, Carla acabou sendo internada por uma série de problemas de saúde que vinham se acumulando.
Quando fui vê-la no hospital, tomando soro na veia, me recebeu com um sorriso descorado.
- Você foi o único naquele bando de hienas, que me incentivou a continuar quando ninguém mais acreditava no que eu dizia - declarou ela, para meu constrangimento. - Todavia, tenho que reconhecer que uma dieta estritamente vegana não é para mim. Assim que tiver alta, vou recolocar ovos, peixe, e talvez até ocasionalmente, carne vermelha, na minha alimentação.
- É uma decisão corajosa da sua parte - reconheci. - E que tal atacar uma bela picanha, quando sair daqui? Eu pago.
- Desde que você não conte para ninguém no escritório… - replicou Carla.
Não contei, e desde então, o ambiente no trabalho melhorou consideravelmente.
- [19-09-2019]