Conto das terças-feiras – A primeira paixão

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 17 de setembro de 2019.

Quando adolescente, estudante em um colégio da capital, sentava-me ao lado do Cristiano, irmão de Cristina, uma bela garota, de mais idade que eu – dois anos – e mais adiantada, cursava a segunda série ginasial. Ela era a minha paixão, não saía dos meus pensamentos, com ela eu viajava pelo mundo, ia ao cinema, bailava nos clubes da cidade, uma paixão desenfreada. Ela me desconhecia, nem sabia da minha existência – achava-me um verme – pensava eu! Eu era mirrado, pouco desenvolvido nos meus 13 anos de idade. Ela, - como são todas as garotas em relação aos homens, na adolescência – já era moça formada, exibindo corpo perfeito e desenvoltura no andar. Os alunos mais adiantados a cercavam durante o recreio, não deixando pirralha, como eu, dela se aproximar.

Minha paixão era doentia, às vezes pedia para ir à casinha – banheiro – para passar em frente a sala dela e olhá-la, contemplá-la. Dada a minha insistência com esse ato, quando eu aparecia no corredor da sala onde ela estudava, os professores fechavam a porta. Eles não tinham a mínima ideia sobre os meus propósitos, sobre meus interesses, sobre a minha paixão.

Eu precisava bolar um plano para estar ao lado dela. Intensifiquei os meus contatos com Cristiano, oferecia minha merenda para ele, me prontificava a realizar os seus trabalhos de geografia, principalmente desenhando os mapas solicitados pelo professor Josias. Aos poucos fomos ficando amigos inseparáveis. Ele era muito tímido e os demais colegas não chegavam perto dele, e ele deles.

Um dia fui por ele convidado a ir até a sua casa, para estudarmos juntos para a prova do dia seguinte. Nessa noite quase não dormi, iria conhecer a casa dela, tentaria conhecer o seu quarto, ver as coisas de que ela gostava. Planejei até surrupiar um objeto seu, um troféu. Seria um amuleto para mim, que guardaria junto às minhas medalhas ganhas em competições de natação, só que em local de destaque. Pediria minha mãe para mandar fazer uma caixa de vidro para isso. Eu a exporia na cômoda em frente à minha cama, para ficar olhando até conseguir dormir.

A primeira ida à casa do Cristiano, naquela tarde, a decepção foi grande. Minha musa tinha saído com a sua mãe. Na casa, só a avó e um enorme cachorro. Estudamos a tarde toda, Cristiano, já exausto, pedia para parar, eu, na expectativa de ver chegar Cristina a qualquer momento falava que precisávamos revisar o que já havíamos estudado – seria uma prova muito difícil! – enfatizava. Elas não apareceram, já passava das 17h30, telefonaram avisando que iriam jantar na casa de uma amiga.

Saí de lá arrasado, eu só tinha permissão de minha mãe para ficar até às 18h. No caminho para casa eu até chorei e maldizia aquela amiga que as convidara para jantar. Quando cheguei a casa minha mãe perguntou por que do choro, disfarcei dizendo ter caído um cisco em meus olhos.

Enquanto o tempo passava e outras provas estavam longe de acontecer, eu emagrecia, ficava cada vez mais irritado, brigava com os colegas de classe, até que um dia fui suspenso por três dias de aula. Ia esquecendo, não visitei o quarto dela, deixara trancado, não conseguira o tão almejado troféu, mas Cristiano tirara a nota mais alta da turma, dez! Passei a vigiar os passos de Cristina pelo colégio inteiro, sempre de longe, para não ser notado. Tremia de raiva todas as vezes que algum garoto se aproximava dela e começava a tocá-la.

Com a prova de português marcada, prontifiquei-me a ajudar Cristiano, embora sabendo que eu não era bom nessa disciplina. O jeito foi estudar além do normal, os pontos – matéria - determinados para aquela ocasião.

Mesmo assim, apesar de meu exagerado esforço e de minha paciência em ensinar aquele garoto mimado e tímido, ele não conseguiu uma boa nota, o que fez baixar sua média, jogando-o para uma segunda chamada. Ele ficou tão irritado comigo, que deixamos de ser amigos. A partir daí, minha esperança de chegar perto de Cristina foi para o espaço.

Infelizmente ou felizmente, mudamos de casa, de bairro. Fomos morar do outro lado da cidade, longe do colégio e de Cristina. Hoje ela é só uma leve lembrança, pois nunca mais a vi.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/09/2019
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