O amor é a chave de tudo
Passa das seis horas da tarde. O sol vai se esvaindo no horizonte, enquanto a terra parece dissolver-se sob seus pés. Depois de tanto tempo, Ceciliana está de volta ao casarão da fazenda, onde vivera a infância e adolescência ao lado dos pais. O coração apertado em meio ao turbilhão de pensamentos confusos. A névoa espessa do passado se abre como uma cortina, revelando imagens fragmentadas.
O lugar à cabeceira da mesa, cercada por oito cadeiras, de madeira nobre, agora está vago. Naquele silêncio, pode-se ouvir os passos abafados no tapete persa que atravessa a varanda de um lado a outro. O riso e as brincadeiras de criança, de quem vive parte da infância feliz, até o dia em que perde a crença nos contos de fada. Na parede, os dois quadros resistem, intocáveis: um com a imagem dos avós paternos; e o outro, com a foto da mãe vestida de noiva e de mãos dadas com o pai. Aquele sorriso é a prova de que um dia foram felizes.
Ceciliana vai até a janela e o cheiro silvestre aguça suas reminiscências. Olhos fixos na extensão de terras que se perde muito além da linha que une o céu. Aquela prosperidade econômica nunca serviu para nada, exceto para alimentar o ego e a discórdia. Emiliano se transformara em uma lenda viva na região. Teve a vida inteira para mudar o destino, mas preferiu a clausura de sua solidão. Talvez, premido por receios imaginários.
Senta-se no sofá, apoia a cabeça com as duas mãos e desata em choro convulsivo. Não consegue aceitar que, de repente, alguém que se é parte de seu ser feche os olhos e não mais existe. A despedida do pai é o seu primeiro encontro com a morte. Não está preparada para aquele momento, porque na sua mente a morte significa o fim da vida.
Experimenta a avassaladora sensação de vazio diante daquele cenário. Percorre o olhar pela casa e avista na pequena mesa de apoio, o livro "Além das fronteiras da mente", do mestre Osho. Abre aleatoriamente uma página e lê algumas passagens que dizem:
"Há flores na morte, mas também há flores na vida. Durante milhares de anos, milhões e milhões de pessoas estiveram somente fazendo uma coisa: tentando parar a roda. Não a roda de um carro, mas a roda da morte e da vida que gira sem parar."
...
"O dia e a noite, o verão e o inverno – ambas a luz e a escuridão. É necessário aceitar as polaridades da vida para tornar-se tranquilo e inteiro no seu equilíbrio. Tudo o que Deus dá, tem de ser recebido com profunda gratidão."
Então, ela compreende que a origem de todas as soluções está na mente. E a menos que conheça a sua natureza, não será capaz de resolver nenhum de seus problemas. Entende que a morte é apenas um capítulo da vida, que as pessoas pensam tratar-se da vida inteira. É o amor que lhe dá a chave de tudo que existe.
Fecha o livro e o deposita no mesmo lugar. Encolhe-se em cima do sofá, abraça os joelhos e inclina a cabeça sobre eles. Tudo passou tão depressa como um sonho. Reflete que nem a morte nem a vida estão em suas mãos. Quanto mais profunda e intensamente viver, mais rapidamente sentirá que a morte não existe.
Mergulhada em reflexões, vê a mãe que acaba de entrar na sala. Ela caminha discreta e silenciosa na sua dor. Então, Ceciliana pergunta-lhe:
- Por que você não chorou na despedida de papai?
- Por sua causa. Se eu chorasse, você sofreria ainda mais e quem iria nos consolar?