Conto das terças-feiras - O julgamento
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 10 de setembro de 2019
Parecia dia de festa na média cidade do interior baiano. As pessoas, aparentemente nervosas, se dirigiam ao fórum local. Não se falava mais em nada naquela tarde/noite de quinta-feira. Era o julgamento do mais famoso bandido que já habitara aquela cidade da região cacaueira da Bahia. Seus crimes eram por demais numerosos: matara três mulheres, com as quais vivera maritalmente, caso até então desconhecido da população da cidade, o filho de uma delas, e um vizinho.
Na porta do fórum, segurança máxima, três soldados, um cabo e um sargento. O público tentava entrar ordeiramente, só que não cabiam todos os interessados que ali se encontravam desde as dez horas da manhã. As portas só seriam abertas às quatro horas. A expectativa era tanta, que ninguém se incomodava com a espera. Eles queriam rever a cara, daquele criminoso que convivera entre muitos dos que ali estavam. Alguns eram até amigos do assassino, só que desconheciam a sua maldade.
Os crimes aconteceram no mesmo dia. O sujeito era até boa praça, diziam uns. Ele não aparentava ser perigoso, tinha conversa mansa e era educado, diziam outros. Os motivos para os crimes nunca ficaram devidamente esclarecidos. Os detetives não conseguiram arrancar dele essa parte. Daí a curiosidade que ocupava as cabeças dos citadinos e teorias foram levantadas: ciúme do vizinho, que pegavas as três mulheres? O filho tentou defender a mãe da investida do padrasto? Esses e outros questionamentos ficaram sem resposta. A única coisa definida nesse processo foi que ele era o autor dos crimes, réu confesso.
Aberta a porta do fórum, as pessoas tomaram assento nas poucas cadeiras existentes, algumas se acomodaram nos degraus do recinto de chão inclinado, e muitas outras ficaram do lado de fora do prédio, ansiosas por notícias. Seria um julgamento sem a presença da imprensa falada, só jornalistas e fotógrafos, tinham permissão para tirar fotos até o início do julgamento.
Nessas ocasiões, como sempre, aparecem retardatários com autorização de acesso ao local, mesmo já tendo se iniciado os trabalhos do Tribunal do Júri. Neste caso, se apresentou ao Sargento responsável pela segurança, o jovem bacharel em direito, recém-formado, após oito anos de estudo na capital e ausente de sua cidade pelos mesmos oito anos, Eduardo Barbosa, filho do prefeito local. Não era ainda advogado porque não conseguira aprovação em duas tentativas para a OAB. Como o julgamento em questão se tornara de repercussão nacional, sua presença, segundo seu pai, o prefeito, seria de vital importância para a carreira do futuro causídico.
Sem mais lugar para sentar-se, Eduardo Barbosa instalou-se em um degrau do recinto, junto a uma cadeira onde estava sentada uma amiga de infância/adolescência. Enquanto o julgamento prosseguia, o moço conversava com a amiga, ambos surpresos por se encontrarem naquele ambiente. Falaram dos tempos idos, escolas, brincadeiras, festas, passeios, namoricos etc. Nem parecia que estavam participando de um julgamento. Os dois estavam mais interessados no reencontro, nas lembranças, nos tempos de liberdade, sem cobranças e responsabilidades, apenas viviam a juventude.
Os advogados apresentaram suas teses de acusação e defesa, o corpo de jurados pronunciou o seu veredito, o juiz proclamou a sentença, as pessoas começaram a sair do prédio, e os dois continuavam em animada conversa. Só se deram conta que tudo havia acabado, quando o Sargento solicitou que os dois deixassem o fórum pois teria que fechar as portas.
A moça levantou-se e Eduardo ficou de pé ao seu lado. Ele olhou para ela, percebeu a diferença de altura e pensou; como ela cresceu! Saíram daquele local sem saber o resultado do julgamento.
Já na calçada ele perguntou se poderia acompanhá-la. Com a aquiescência da moça, o filho do prefeito colocou o braço esquerdo em volta de seu pescoço e solicitou-lhe que ela descesse da calçada e ambos continuaram andando rumo à casa dela, ele na calçada e ela no asfalto. Acabara-se a diferença de altura.