A hóstia
Já era madrugada quando Joana finalmente conseguiu ser alojada em outro voo. Devido a uma greve de comissários, todos os voos foram cancelados. Por sorte, após uma longa espera, conseguiu uma vaga num dos assentos destinados a pessoas com necessidades especiais, pois não apareceu ninguém nessa categoria.
Assim que se sentou mandou uma mensagem para o marido:" querido, felizmente fui realocada na poltrona número dois. Apesar do cansaço, chegarei a tempo para almoçarmos juntos. Tenho uma surpresa. Te amo!".
Joana sentia-se abençoada por ter conseguido embarcar. Os aeroportos estavam um caos. Mas sua maior alegria era saber que estava grávida, após anos tentando, sem êxito.
Antes do avião decolar fez uma pequena prece de agradecimento. Não era religiosa nem frequentava uma igreja. Filha de pai católico e mãe evangélica, passou a infância vendo os pais tentarem impor suas religiosidades para os filhos. Resultou num sincretismo mal - sucedido. Conhecia a bíblia de cor e salteada e rezava todas as preces católicas como "Salve Rainha" e "Creio em Deus Pai" (que sabia até de trás para frente). Era uma mulher dotada de fé lúcida e inquebrantável, mas sem religião.
Joana tinha medo de viajar de avião, sempre que pegava um voo rogava aos céus para que chegasse em paz, toda ajuda do além era bem - vinda.
Meia hora após levantar voo, o avião sumiu dos radares. O piloto, em vão tentou contato com a torre, mas não conseguiu. Houve uma pane elétrica irreversível. O comandante, imbuído da certeza que não teria como aterrissar, avisou aos passageiros que já não podia fazer mais nada. O avião começou a cair.
Não houve caos. Apenas o pânico estampado nos rostos dos passageiros. Cada um, por instantes, pode pedir perdão pelos seus pecados. Lágrimas rolavam nas faces, num misto de desespero com resignação diante do inevitável. Mães abraçavam os filhos pequenos num abraço eterno.
Joana, tentando se apegar a alguma coisa naquele momento final, deixou sua mente divagar.
Era a abertura das aulas de catecismo, assim, houve uma celebração feita por um padre e a freira que ministraria as aulas. O padre abençoou a todos e liberou a hóstia para as crianças, sob protesto da freira, pois a hóstia, na sua concepção, só poderia ser dada a quem já tivesse se confessado, mas o padre, bastante progressista, disse que as crianças eram a herança de Deus na terra.
Pela primeira vez, Joana saberia o gosto do corpo de cristo, que ela imaginava ter sabor de sorvete. Mas ao colocar a hóstia na boca, ouviu a freira dizer bem alto:
_ Crianças! Não mastiguem a hóstia.
O susto fez com que Joana deixasse a hóstia cair. Sem saber o que fazer e morrendo de medo da freira, ficou quieta, sentada olhando para o chão.
A freira perguntou quem tinha deixado cair a hóstia, Joana ficou calada, paralisada pelo medo. Nem a língua nem as pernas se moviam. Nem o Espírito Santo a faria falar.
A freira fez um sermão enorme, dizendo que quem fazia aquilo com o Corpo de Cristo iria arder no fogo do inferno. O padre ainda tentou amenizar, mas pra mulher braba nem padre dá jeito.
Joana, na sua inocência de criança, foi para casa com a certeza de que iria arder no fogo eterno. Chorou a noite inteira. Por anos teve medo de ir para o inferno e do fim do mundo. Nunca mais pegou uma hóstia. E agora, vendo o avião cair sabia que morreria sem ser mãe e sem experimentar a hóstia.
Já não havia mais nada a fazer. Eram seus momentos finais e só lembrava-se da hóstia. Por quê? Por que não se lembrava de outras coisas?
Segundo depois o avião espatifou-se em contato com o mar.
Joana só sentia paz. Muita paz. O mundo todo fazia sentido, nada mais era interrogação ou dúvida. Era apenas paz. Isso foi tudo que sentiu.
Assim que se sentou mandou uma mensagem para o marido:" querido, felizmente fui realocada na poltrona número dois. Apesar do cansaço, chegarei a tempo para almoçarmos juntos. Tenho uma surpresa. Te amo!".
Joana sentia-se abençoada por ter conseguido embarcar. Os aeroportos estavam um caos. Mas sua maior alegria era saber que estava grávida, após anos tentando, sem êxito.
Antes do avião decolar fez uma pequena prece de agradecimento. Não era religiosa nem frequentava uma igreja. Filha de pai católico e mãe evangélica, passou a infância vendo os pais tentarem impor suas religiosidades para os filhos. Resultou num sincretismo mal - sucedido. Conhecia a bíblia de cor e salteada e rezava todas as preces católicas como "Salve Rainha" e "Creio em Deus Pai" (que sabia até de trás para frente). Era uma mulher dotada de fé lúcida e inquebrantável, mas sem religião.
Joana tinha medo de viajar de avião, sempre que pegava um voo rogava aos céus para que chegasse em paz, toda ajuda do além era bem - vinda.
Meia hora após levantar voo, o avião sumiu dos radares. O piloto, em vão tentou contato com a torre, mas não conseguiu. Houve uma pane elétrica irreversível. O comandante, imbuído da certeza que não teria como aterrissar, avisou aos passageiros que já não podia fazer mais nada. O avião começou a cair.
Não houve caos. Apenas o pânico estampado nos rostos dos passageiros. Cada um, por instantes, pode pedir perdão pelos seus pecados. Lágrimas rolavam nas faces, num misto de desespero com resignação diante do inevitável. Mães abraçavam os filhos pequenos num abraço eterno.
Joana, tentando se apegar a alguma coisa naquele momento final, deixou sua mente divagar.
Era a abertura das aulas de catecismo, assim, houve uma celebração feita por um padre e a freira que ministraria as aulas. O padre abençoou a todos e liberou a hóstia para as crianças, sob protesto da freira, pois a hóstia, na sua concepção, só poderia ser dada a quem já tivesse se confessado, mas o padre, bastante progressista, disse que as crianças eram a herança de Deus na terra.
Pela primeira vez, Joana saberia o gosto do corpo de cristo, que ela imaginava ter sabor de sorvete. Mas ao colocar a hóstia na boca, ouviu a freira dizer bem alto:
_ Crianças! Não mastiguem a hóstia.
O susto fez com que Joana deixasse a hóstia cair. Sem saber o que fazer e morrendo de medo da freira, ficou quieta, sentada olhando para o chão.
A freira perguntou quem tinha deixado cair a hóstia, Joana ficou calada, paralisada pelo medo. Nem a língua nem as pernas se moviam. Nem o Espírito Santo a faria falar.
A freira fez um sermão enorme, dizendo que quem fazia aquilo com o Corpo de Cristo iria arder no fogo do inferno. O padre ainda tentou amenizar, mas pra mulher braba nem padre dá jeito.
Joana, na sua inocência de criança, foi para casa com a certeza de que iria arder no fogo eterno. Chorou a noite inteira. Por anos teve medo de ir para o inferno e do fim do mundo. Nunca mais pegou uma hóstia. E agora, vendo o avião cair sabia que morreria sem ser mãe e sem experimentar a hóstia.
Já não havia mais nada a fazer. Eram seus momentos finais e só lembrava-se da hóstia. Por quê? Por que não se lembrava de outras coisas?
Segundo depois o avião espatifou-se em contato com o mar.
Joana só sentia paz. Muita paz. O mundo todo fazia sentido, nada mais era interrogação ou dúvida. Era apenas paz. Isso foi tudo que sentiu.
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O marido de Joana, desesperado, procurava noticiais da esposa junto ao balcão da companhia. Após um longo silêncio, a atendente informou-lhe que todos os passageiros da parte da frente do avião morreram, apenas pessoas dos últimos assentos sobreviveram.
Desolado... chorou copiosamente ao lembrar-se da esposa.
Distraído, não viu a atendente dizer que a poltrona número dois tinha se deslocado para o fundo da aeronave e que a passageira tinha sobrevivido. Era uma mulher grávida, ainda não identificada.