Neurose e o transporte por aplicativo
Por Gabriella Gilmore
Era sábado de manhã, o sol já emitia sinais de que o dia seria um inferno de quente, e Catarina havia acabado de sair do salão, onde tirou a parte da manhã para fazer o SPA dos pés.
Ela precisava visitar uma amiga, mas com os pés limpos e tratados, ela preferiu chamar um Voola ao invés de pegar o busão.
Catarina detestava coisas relacionada a redes sociais ou aplicativos. Ela dizia que: “Nunca se sabe quem realmente está do outro lado, e para o caso de transportes por aplicativos, não sabemos quem irá abrir-nos a porta”.
Ansiosa e temerosa, ela confirmou a corrida.
Seu Voola estava há 4 minutos do local da partida.
Ela tirou print da tela do celular, enviou para sua amiga e escreveu: “Jú, se eu não chegar em 30 minutos, pode começar a rezar por mim”.
Quando o carro chegou, ela confirmou a placa.
Ao abrir a porta saudou o motorista perguntando seu nome e como ele estava:
- Sou o Luiz, e estou bem. Como você está?
- Bem também.
Ela quis ser o menos comunicativa possível pois não gostava de conversar com estranhos.
Catarina fez uma análise rápida dentro do carro. Viu um copo plástico no assoalho do carona, o encosto da poltrona do motorista com um rasgado enorme, e ele escutava uma música gospel instrumental.
“Com essa cara, esse rapaz não deve ser crente”. Pensou Catarina.
- Você está saindo do trabalho? - Perguntou Luiz.
Catarina revirou os olhos e pensou: lá vem o cara investigar minha vida. Tem alguma coisa errada.
E cruzou os dedos.
- Não. Respondeu o mínimo possível para não gerar um bate papo.
- Nossa que bom. Quando se tem o sábado de folga, o final de semana fica mais produtivo, né? Disse Luiz tentando puxar papo.
Catarina soltou um “Aham” anasalado e preocupado.
“Esse cara está querendo saber demais. Aposto que vai me levar para algum lugar”. Pensou neuroticamente.
Quando se deu por si, ela percebeu que o rapaz estava pegando um caminho contrário. Logo ela pegou o celular para ver o mapa.
- Luizzzzz, peraí! Estamos indo para o bairro errado. Eu quero ir para Pampulha. Será que digitei errado?
- Altere a localização. Vou parar aqui na esquina para você mudar a rota. Respondeu calmamente o motorista.
Nisso a mente de Catarina congelou por alguns segundos. Ela não sabia como fazer isso.
- Luiz, por obséquio, como eu corrijo a localização?
“Agora ele vai perceber que não sei mexer no aplicativo, e consequentemente serei uma presa ainda mais fácil”. Eram os pensamentos de Catarina borbulhando.
- Pronto. Deu certo. Disse Luiz devolvendo o celular. Parece que existe mais ruas com o nome “Lagoa do Bretas” na cidade.
- Pois é. Eu nem imaginava. Respondeu Catarina com a voz quase falhando.
- Agora vai dar certo. Retrucou Luiz.
Trim trim trim.
- Licença. Preciso atender a ligação. Disse Luiz educadamente.
- Bom dia irmã Joélia. A paz do senhor.
- Paz-do-senhor irmão Luiz. Onde você está? Perguntou apressada a mulher na linha.
- Estou rodando em Belo Horizonte. O que a irmã está precisando?
“Virgem Maria! Eu sabia que tinha algo de errado”. Pensou Catarina. “Aposto que ele está fingindo ser crente, e que o som de música gospel no seu carro e essa ligação é tudo parte de algum plano”.
Catarina começou a suar frio.
- Você está em qual carro? Perguntou Joélia.
- Uai, estou no Gol cinza. Por que?
“Viu? Eles estão falando em códigos! A mulher deve ser alguma líder de tráfico de pessoas, e agora ela precisa identificar tudo para seguir com algum plano maquiavélico”. Catarina não parava de pensar.
- Ah! Então não vai dar. É que eu precisava levar uma geladeira lá para Vespasiano, e ela não vai caber ai não.
“Tá vendo? Olha a conversa cheia de códigos! Será que ele vai me levar para Vespasiano?”
A neurose de Catarina só ia aumentando. Ela não via a hora de sair do carro.
- Eu posso tentar ver com meu irmão Zé. Eu acho que ele deve estar indo para Vespasiano neste final de semana.
- Você faria isso, irmão Luiz? Perguntou Joélia com uma voz que não transmitia nenhuma entonação ou emoção. Era estranha demais.
- Fique tranquila. Nos falamos mais tarde.
E Luiz desligou o telefone.
- Moça! Moça! É você quem pediu a corrida para Pampulha? Perguntou o motorista ao estacionar o carro e abrir a janela do carona.
Catarina estava de pé com o celular nas mãos, basicamente em transe.
E isso foi apenas seus pensamentos ansiosos enquanto aguardava o seu transporte de aplicativo.
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