O beijo da borboleta
Anderson era do tipo de cara confiante. Aquele tipão que é senhor de si e que sabe do que é capaz e que em alguns casos, é até mais confiante do que sua capacidade recomenda. Anderson era assim.
No time de futebol que disputava a várzea, jogava com a dez, e desfilava no meio-campo. Era técnico e sua confiança o levava a dar dribles que outras pessoas nem sequer tentariam. Era uma estrela.
Como todo o camisa dez, estava sempre rodeado de amigos e muitas vezes de amigas. Tinha um daqueles bigodes que precisam ser retocados duas vezes por semana no barbeiro. Vestia-se bem, falava com uma voz média e pausada que chamava a atenção. Anderson era um sucesso também com o sexo oposto.
Vivia a se gabar de nunca ter se apaixonado. Dizia nem entender o que era isso e zoava os amigos menos afortunados que por um motivo ou outro andavam chorando por um coração partido ou uma decepção de amor.
Tudo aconteceu numa sexta-feira 13. Era uma das festas do time que ocorriam quase todos os meses, sempre na casa de alguém. Uma desculpa para turma se reunir, tomar cerveja, comer carne e em alguns casos até arrumar um par que quase nunca durava até a festa seguinte.
Anderson chegou à festa tarde. Sempre fazia isso. Esperava estar todo mundo estar no ambiente para entrar, cheio de pompa e destaque e se tornar a estrela do local. Gostava de chamar a atenção. Naquela noite não foi diferente.
Vestindo uma calça jeans, daquelas desgastadas nas penas, uma camisa gola pólo de marca famosa, um boné estiloso e seu impecável bigode ele entrou no local já chamando a atenção de todos que por alí estavam. Não demorou para aparecer alguém para lhe entregar uma cerveja que ele rapidamente abriu com facilidade e cumprimentando um e outro foi passando por todo mundo.
Já estava próximo da área da churrasqueira quando encontrou Mariana, uma menina de cabelo liso, rosto com sardas e sorriso difícil, que nunca fez parte do grupo e que por algum motivo apareceu naquela noite de sexta-feira 13. Ele a cumprimentou e ela riu. Ele segurou a mão dela com suavidade e depois de uma fração de segundos a soltou e seguiu o seu caminho.
Viu pelo menos três ou quatro colegas de time chegarem em Mariana sem obter sucesso em suas empreitadas. É verdade que nunca a viu com ninguém e esse pensamento lhe aguçou o interesse. Ao bem da verdade é que ele nem a achava bonita, nem sequer tinha qualquer sentimento por ela, mas o fato de obter sucesso, numa área onde os demais não conseguiram, lhe motivava.
Ele investiu. Ela não refutou de imediato, mas também não se mostrou muito disposta. Ele seguiu insistindo. Usava toda a confiança e charme que lhe era caraterístico. Ela riu, respondia as suas investidas, encarava tudo com uma naturalidade assustadora, mas não lhe deixava que se aproximasse muito.
A noite correu rápida e a certa altura até mesmo os seus colegas de times, passaram a observar a questão com curiosidade, afinal, ali estava um duelo digno de audiência. Ele um pegador abominável, ela uma tímida conhecida. Era um duelo interessante.
A noite escorria com veemência, quase com a mesma qualidade com que a bola escorria no peito do camisa 10 nos domingos de futebol. Ele usava sua habilidade de meia armador para driblar as linhas defensivas dela.
Era quase de manhã quando as pessoas começaram sair. Anderson estava prestes a desistir e já pairava em seu pensamento a ideia de que havia perdido seu tempo com Mariana. Já tinha inclusive ouvido aqui e ali alguma piadinha sobre o seu fracasso.
Estava prestes a ir embora quando ela atravessou a sala e se aproximou dele e sem dizer uma única palavra o beijou de uma maneira decidida e completamente inesperada.
O beijo durou uma boa porção de segundos e depois sem dizem uma única palavra ela foi embora. Não disse nada. Ninguém disse nada. Os últimos remanescentes da festa apenas olhavam boquiabertos.
Anderson ficou parado com os olhos fixos na porta por onde ela saiu, ainda sentindo o sabor dos lábios dela nos seus. Estarrecido.