Rotina

O zumbido do celular foi abafado pela mão de Simone. Com os olhos semiabertos ela tocou o botão da soneca e cobriu a cabeça com o travesseiro. Só mais 5 minutos.

  O sol já esquentava o asfalto quando Ingrid fechou a porta atrás de si e saiu pela calçada vestida no seu habitual uniforme azul turquesa e sua discreta bolsinha incrustada de safiras que cabia mais objetos do que aparentava.

Caminhava quase que mecanicamente, atrevessando ruas e avenidas em direção a estação subterrânea do metrô, sorria ao passar por alguns meninos que empinavam suas pipas na corrente refrescante do vento matinal, eles nem reparavam a transeunte.

Numa pequena estalagem comercial ela comprou o seu rotineiro pastel de carne com palmito e um guaraná, uma mordida, alguns passos, um gole e mais alguns metros, assim até sobrar apenas a caminhada.

Desceu as escadas limpando a boca com o guardanapo e depois jogou todo o lixo reunido no cesto ao pé da catraca. O metrô ainda demoraria uns 5 minutos para chegar. Ela esperou olhando seu reflexo na tela do celular.

Depois de algumas sonecas a mais do que o combinado, Simone se arrastou lentamente para o banheiro, a água fria fazia o corpo acordar, ainda que o cérebro preferisse terminantemente a continuar embrulhado no edredon.

Colocou o uniforme que mais parecia uma roupa de algum clipe de antigo da era Emo, seus acessórios e, com mochila nas costas, saiu de casa.

Entrou na conhecida lanchonete e pediu o de sempre, ao que a atendente lhe trouxe seu costumeiro pastel de carne com palmito e um guaraná. Comeu saboreando como se há tempos não provasse algo com o sabor tão inigualável.

Saiu do estabelecimento com o cigarro ja aceso entre os lábios e se pôs a caminhar sob as sombras dos prédios que tapavam o brilho do sol da manhã.

O cigarro acabou junto com os raios do sol que se escondeu momentaneamemte atras de uma parede de nuvens, mas simone continuou andando até o farol na porta da entrada da estação de metrô que ficava entre duas movimentadas avenidas, o sinal de pedestres estava fechado e os carros passavam.

Ingrid guardou na bolsinha o celular antes do metrô chegar ao seu destino, agora caminhava elegantemente sobre os saltos, a multidão se dispersou nos túneis que levavam às outras linhas do metrô, apenas algumas pessoas subiram com Ingrid a escada que levava à saída para fora da estação.

O Sinal abriu, os carros começaram a fazer fila atras da faixa branca e o pequeno aglomerado de pessoas se puseram a caminhar pela faixa de pedestres.

Simone olhou displicentemente para a escada da estação, de onde subia uma garota da pele escura, com um uniforme azul turquesa.

Seus olhos se encontraram no mesmo segundo, como que programados, naquele momento nenhum som rotineiro foi capaz de se sobrepor ao silêncio daquele olhar, era como se acabassem de encontrar a peça perdida do quebra cabeça, um vazio que nenhuma pessoa, nenhum emprego e nenhuma rotina lhes daria a oportunidade de preencher, mas ali estavam elas, na rotina de seus trabalhos e pessoas que lhes deram o momento de completude pelo qual buscavam ha mais tempo do que poderiam se lembrar.

Quis dizer "eu te amo", mas invés disso, sorriu, abriu os braços para um abraço caloroso e disse: "bom dia amiga, pronta?"

E juntas partiram para mais um dia de trabalho.