Quase, renascido pelo amor.

Ele se parecia com um personagem de contos da Carochinha. Rapaz de compleições feias e desengonçadas, Felisberto parece que nasceu pra ser infeliz e seu nome só lhe serviu de antagonismo. Ao nascer sua mãe lhe deu esse nome pois queria muito que seu bebê crescesse feliz. Ela, uma analfabeta funcional, apesar de saber ler e escrever, não primava pela inteligência e mal sabia compreender as coisas que lia. Morreu quando o menino tinha doze anos e ele foi criado pelos padres num orfanato.

Felisberto foi a escola e aprendeu a ler também. Mas cedo foi apresentado ao bullyng. A diversão predileta dos colegas era inventar nomes estranhos para o apelidar. Desde Quasímodo (nome do corcunda de Notre Dame) até sapo e outros bichos asqueirosos. Ingênuo, Felisberto nem percebia as más intenções de seus colegas e ria com eles das piadinhas de mau gosto sobre sua pessoa. De tanto inventarem apelidos pra ele, um pegou e ele passou a ser chamado de Quase. Quase de Quasímodo? Mais que isso. Quase de "quase nada", quase "qualquer coisa" de "nunca totalmente" etc. Enfim um Quase. Ele não ligou e pelo contrário, respondia quando o chamavam assim. Era o dia inteiro: Quase, onde está fulano? Quase, vem cá, Quase, pega o lápis do chão. Quando os professores o chamavam pelo nome até esquecia de responder. Parecia que não era ele quem estavam chamando.

Crescido, continuou a ser símbolo de piadas de todos. Conseguiu concluir, a muito custo o ensino médio. Acredito que, na verdade, fora considerado inclusão e passado pra frente pra sair da escola, como tantos outros alunos com problemas de aprendizado. Era péssimo em línguas e em tarefas que necessitavam de aprendizado mais superficial. Vivia no mundo da lua. Seu forte era mesmo a matemática e a física.

Ao término do ensino médio, por ser muito prestativo e obediente, foi empregado na escola como ajudante nas tarefas básicas e acabou ganhando a vaga de servente destinada aos deficientes físicos, visto que ele tinha uma perna menor que a outra. A diretora da escola gostava do menino pois não reagia aos apelidos e nem arranjava confusão com ninguém. Logo ele se destacou em algumas atividades mais precisas. Sabia consertar as coisas e elas voltavam a funcionar melhor que antes. Muito observador, Quase, aprendia o funcionamento dos aparelhos só olhando.

Entre as tarefas do emprego e o tempo vago da noite, Quase resolveu estudar e matricular-se em uma faculdade particular. Descobriu, no entanto, que não teria dinheiro pra pagar os estudos. Ficou numa tristeza de dar dó. O diretor da faculdade, conhecedor do bom caráter e do esforço do rapaz, resolveu "dar-lhe uma bolsa". Pagaria por ele e assim veria como se sairia o rapaz. A faculdade que interessou Quase, foi o curso superior em engenharia mecânica. As suas notas nas teorias não eram das melhores, mas nas aulas práticas o rapaz era o melhor.

Com a ajuda dos colegas, que já percebiam que ele era um caso especial, Quase conseguiu concluir a faculdade. Estes já não o tratavam mal mas o apelido de Quase prevaleceu. Ninguém ousou perguntar ao rapaz o porque deste nome. A alegria dele nas aulas práticas e a disponibilidade em ensinar os que tivessem dificuldades foi a coisa mais linda de se ver. Os professores eram unânimes em dizer que aquela turma era a mais homogênea e alegre que já tiveram. Ninguém queria ser mau exemplo para o rapaz que era tão ingênuo e bom do coração que tal pureza encantava e conquistava a todos a serem assim também. Eram um grupo de alunos que não se dividia. Uns ajudando os outros sempre, chegaram ao 5º ano da faculdade.

Neste período, o aluno já surpreendia a todos. Sabia as matérias todas. Estudava e mostrava que decididamente nunca foi "burro". Pelo contrário, era surpreendente seu desempenho. A solidariedade dos colegas o fizeram acreditar em sua capacidade. Seus problemas físicos não o atrapalharam em nada. Era um "crânio" e ajudava seus colegas sem esperar nada em troca. Nunca houve uma turma boa como aquela.

Porém tudo que é bom demais, desperta a inveja e alguém pode querer o fim. A formatura se aproximava e seus colegas junto aos pais e professores já estavam arranjando tudo para que Quase estivesse vestido a altura e pudesse brilhar como merecia.

Quase, no entanto, se preocupava. Precisava arranjar uma madrinha e isto realmente o deixava triste. Não tinha ninguém por ele. Quem chamaria para ser madrinha?

Os alunos que estudaram na escola e viveram no orfanato, seus antigos colegas, já sabiam de seu sucesso e isto despertou a inveja dos piores elementos. Quase, indiferente a isso, resolveu chamar para madrinha uma antiga colega que atualmente estava casado com outro ex colega. Não se viam a muito tempo e por isso não imaginava como estaria. Fez o convite por telefone e aguardava a resposta.

Ela que se chamava Maryelen e comentou com o marido que, enfurecido, disse que iria dar uma surra nele. Ele comentou com outro colega e resolveram que usariam o dia da formatura para dar uma lição no idiota do Quase. Combinaram que ela aceitaria ser a madrinha.

Quase chorou de alegria quando obteve a resposta. Estava resolvido o problema. Seus colegas vibraram com ele. As fotos e albuns foram presentes de pessoas influentes que o adotaram na faculdade. Orgulhosos deste aluno brilhante mal esperavam pelo dia da formatura.

Sempre acreditei que Deus sempre move os pausinhos pra ajudar a gente nos momentos difíceis. E por isso acho mesmo que foi ele quem fez o marido de uma professora se atrazar para buscá-la na faculdade. Ela pegou uma condução errada e foi parar num bairro distante. Perdida e sem sinal de celular ficou sentada, encostada em um muro, a espera de um táxi que pudesse lhe levar pra casa quando aconteceu algo surpreendente.

Dois rapazes conversavam em voz alta sentados num muro ali perto. Um dizia para o outro:

_O idiota do Quase nem vai saber de onde partiu o que o vai atingi-lo!

_Claro que não kkkk vai ficar molhado que nem um pinto.

_Ei, tive uma ideia melhor! E se a gente trocasse a água do balde por uma lavagem de porcos bem fedida?

_Boa ideia! O idiota vai aprender a não chamar a mulher de ninguém pra ser madrinha dele. Acha que ta podendo. Alguém deve ta fazendo as tarefas pra ele na faculdade. Ve la se o idiota é capaz de passar na faculdade?

-Quase. Quase nada isso sim.

_Como a gente vai fazer isso?

_Já combinamos com uma servente da faculdade. Molhei a mão dela. Vai pendurar um balde de água em cima do palco. O idiota se chama Felisberto mas vai ficar tristeberto de agora em diante.kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!

_kkkkkkkkkkkkkkk verdade kkkkkkkkkk!

_Mas e se descobrirem que foi a gente. E sua mulher não vai se molhar de lavagem?

_Aviso a ela. Digo pra por o pior vestido. Já pensou se pega nela? Melhor ainda. Ninguém desconfiaria que ela ta adorando a brincadeira com o idiota.

_Legal! To doido pra ver. Mas sem convite eu não entro!

_Não se preocupe. Já comprei convites pra você e eu. Assim não vamos perder a farra.

A esta altura, atrás do muro, a professora já estava chorando, pois percebeu quem era o "idiota". Precisava voltar logo e resolver isso. Andou a pé uns dois kilometros mas encontrou um táxi e chegou em casa. Ligou pro diretor da faculdade. Preparou-se pra ser a madrinha de Felisberto e disse a ele que a madrinha dele teve um problema e não poderá vir.

No dia da formatura Quase estava realmente feliz. Chegou mais cedo e ajudou a organizar o espaço. A professora o alinhou e juntos se posicionaram nos lugares indicados.

Quando a Maryelen chegou, quis entrar e não conseguiu. Foi levada pra uma sala e la ficou trancada com um segurança. Não entendeu quase nada mas achou que tinham, de alguma forma, descoberto os planos deles. E logo que os dois elementos entraram, o diretor pos três seguranças pra vigiar seus passos. A servente, pressionada, confessou tudo e foi demitida por justa causa e trancafiada numa sala por toda a noite. O balde foi trocado por outra coisa. Os dois elementos disseram a Quase que vieram fazer lhe uma homenagem. Este não cabia em si de felicidade.

Na hora da formatura, foram sendo chamados os formandos e Quase, como é Felisberto, com "F" foi chamado no meio. Depois de ser chamado, e receber seu diploma e tirar as fotos devidas, o diretor pediu a ele que fosse até a secretaria buscar algumas flores pra serem entregues aos alunos no final da formatura. Como um bom rapaz que sempre fora, ele foi imediatamente.

Durante a ausência de Quase, no palco, o mestre de cerimônia disse:

_Senhores, aqui hoje, temos dois colegas antigos de nosso melhor aluno Felisberto, conhecido com a alcunha de Quase, que querem lhe fazer uma homenagem. Convido-os a chegar ao palco e aguardar por ele que foi ali e já está voltando para lhe fazerem a surpreza. Não fiquem envergonhados pois temos certeza de que ele merece a homenagem com certeza. Senhores por favor queiram vir até aqui e se apresentar.

Dois seguranças foram até eles e os levaram ao palco. Quando chegaram ao palco foram devidamente posicionados e quando o outro chegou e levou as flores até o palco, os encontrou lá e ficou feliz pois sabia da "homenagem"

O mestre de cerimônia disse: Senhores aqui presentes hoje, recebemos um aluno destruído pela arrogância, desrespeito e bullyng. Estava incapacitado de aprender e quando o tratamos com respeito e carinho conseguimos dele que se abrisse e nos mostrasse sua inteligência e brilho. Por isso queremos que saibam que aqui ninguém humilha ninguém e nem faz bullyng. Aqui respeitamos as pessoas com seus defeitos e dificuldades. Ficamos felizes que estes senhores queiram fazer uma homenagem ao nosso melhor aluno, que representa todos nós e nossos esforços em melhorar esta sociedade. Senhores podem puxar a corda que está atrás de vocês e homenagear Felisberto. Receba nosso amor meu filho. Você bem o merece.

Os dois idiotas, achando que ele seria molhado por uma lavagem imunda sorriam e puxaram a corda. Um ventilador foi ligado e sobre todo o palco e resvalando até as pessoas presentes, uma linda chuva de pétalas de rosas de inúmeras cores espalhou-se pelo ar e fez a todos chorar de emoção. Foi lindo demais e Quase chorava tanto de alegria, que suas orelhas enormes pareciam se abanar. Mas esses pequenos defeitos dele só serviam pra fazer dele uma pessoa mais especial.

Os seguranças levaram os dois idiotas pra sala onde estava Maryelen. Lá receberam mais tarde, a mais dura lição de vida que jamais esquecerão. O diretor e professores da faculdade ameaçaram coloca-los na cadeia e, só não o fizeram porque não queriam que Quase sequer soubesse da armação deles.

Quase daquele momento em diante deixou de se chamar Quase e recebeu de presente do diretor da faculdade, um pacote de cartões com o nome de dr Felisberto, Engenheiro Mecânico. Ele fez muito sucesso pela vida a fora, pois onde ele punha a mão tudo funcionava maravilhosamente bem devido a sua inteligencia, perspicácia e humildade para com todos.

Fim.

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 20/08/2019
Reeditado em 20/08/2019
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