GENTLEMAN

Já não se lembrava bem como o havia conhecido.Mas parecia-lhe que há muito.Como quando a sua tia mais velha lhe tinha ensinado algures e nos primórdios a segurar na chávena com firmeza e dignidade e a perceber quão importante também era para a educação de um Homem subir da taberna, entrar no salão, cumprimentar as senhoras e aceitar um chá.

Ele era um senhor com um passado que acendia memórias chocantes de uma guerra perdida travada pelo país de ambos , á beira do precipício nos longincuos anos sessenta.Esteve por entre os que combateram desbaratando a vida e esperança no tempo das idades douradas.Terá conhecido os limites, as rações de combate, o como usar de uma arma na formação envolta em morte e emboscadas na mata africana do império perdido na Guiné, Angola e Moçambique.Uma sociedade ferida e em mudança.Memórias da memória selectiva.

Não o tinha conhecido na rua nem no bairro mas naqueles sítios às vezes menos bem frequentados das redes, dos grupos e dos ambientes virtuais mas logo, desde o início, ele se distinguira com aquela marca especial que só os senhores carregam sem nenhum esforço.

O que mais o intrigava nele era a assertividade, a honestidade com que mostrava gostar ou não gostar de uma canção, de um poema ou de um ponto de vista.Tanto que , um dia, não resistiu e propôs:

- Qual é a diferença de horas entre cá e aí?...Posso ligar-lhe?

Mas que estranho, que inusitado e que louco.Não interessa.Ligou-lhe mesmo.

Conversaram e trocaram ideias durante uma hora e tanto…E ele ouviu-o relembrar em flashes a guerra, a carreira profissional, a ilha, a esplanada onde muitas vezes ia desfrutar a noite e o mar a toda a volta, a base das Lajes e ficou desde logo deslumbrado com a memória, a sensibilidade, o entusiasmo e a sagacidade - ímpares.

Tanto que quando brincava aos escritores e se aventurava a expôr uma nova história a esse público tão estranho e anónimo com pessoas de todos os credos e paixões se perguntava sempre.

- “O que é que ele vai achar disto?”

E por vezes lá vinha um like ou um sóbrio silêncio e mais nada “Não leu ou não gostou?”ou então, alegria genuína e breve, um comentário encorajador.

Ambos gostavam das loiras:Doris, Julie Christie e Lourdes Norberto, a belíssima actriz portuguesa.

O gentil cavalheiro possuía um gosto musical irrepreensível e enviava pelo mensageiro, esse maravilhoso go-between à disposição de toda a gente nesse século canções, apontamentos documentais…imagens de tempestades furiosas, roteiros turísticos ou meras curiosidades.

- G. tem tão bom gosto, porque não publica algum desse material que merce ser divulgado?

- “Eu não faço parte de grupos mas o amigo pode fazê-lo!”

Toma.Aprende.Um Cavalheiro tem sempre o seu quê de tímido e reservado.Um cavalheiro é discreto.

Fosse a Patti Bravo ou Jacques Brel, a Bárbara Sreisand ou a Marília Pêra a despedir-se dos palcos e da vida e tantos outros, ele não cessava de se espantar com a qualidade das escolhas e a hombridade do comentário escorreito “Gosto por isto ou não gosto por aquilo, passem bem e Boa Sorte”um estilo que se ia tornando inconfundível daquele Senhor das Ilhas.

Por isso, ele suspirava depois de um dia de aulas de preparação para exame e da assembleia de alunos ausentes ou distraídos, de regresso a casa e no meio do bulício do dia de limpeza, com a sua Mulher a percorrer a casa com a querida Empregada de lupa e aspirador em punho e o gato aos saltos, fulo com a desordem momentaneamente instalada.

“Ah sim. O G. é um Personagem!”e com um cálice imaginário brindou à sua saúde.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 19/08/2019
Código do texto: T6724267
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