UMA LÁGRIMA NO NATAL.
Essa história começa em uma noite de natal, entretanto, antes de contá-la, permita-me dizer alguns pormenores importantes.
Pois bem, corria o ano de oitenta e dois,.ocasião em que minha mãe trabalhava na casa de um famoso médico na cidade interiorana de Rio das Pedras. Moça humilde, a minha mãe trabalhava muito para ajudar o meu avô, já em avançada idade, doente, tendo sua aposentadoria gasta somente com medicamentos caros. A minha mãe era o esteio da casa, ela acordava às cinco horas da manhã para trabalhar, voltava apenas às sete da noite.
Modéstias a parte, a minha mãe sem a menor dúvida, baseando-se em suas fotos antigas, era a moça mais bonita da cidade. Morena alta, cabelos encaracolado, olhos cor de mel. Ela possuía todos os requisitos de uma modelo, e para tanto, que por diversas vezes recusou propostas para desfilar em concursos na cidade. A minha mãe não queria nada daquilo, seu único objetivo era em ajudar a família, levar o sustento para casa, e ajudar a cuidar de seus irmãos. O patrão, embora muito rígido, gostava de seus serviços, pagava-lhe um salário razoável para a época.
Certo dia, quando ela chegou ao trabalho, deparou-se com uma visita inusitada, era o sobrinho do seu patrão, estudante de medicina, recém chegado dos Estados Unidos. Aquele simpático moço, também possuía uma beleza sem igual, de uma educação finíssima. Não demorou muito e aflorou entre ele e minha mãe uma bonita amizade, e dia após dia, a amizade cada vez maior veio a transformar-se em algo a mais, o amor floresceu naqueles inocentes corações. Não muito depois, o jovem estudante de medicina, perdidamente apaixonado, começou a namorar secretamente com a minha mãe, que a princípio havia sido contra, porém, logo cedeu aos apelos do coração.
O destino havia reservado uma desagradável surpresa, revelada no noite de natal daquele mesmo ano. Na ocasião os patrões fizeram uma belíssima ceia de natal, vieram muitos parentes, a casa estava cheia, bebidas e comidas a vontade, clima festivo.
Quando de repente, a minha mãe chamou o jovem estudante de medicina a parte, e com os olhos cheios de lágrimas, o coração cheio de medo disse:
- Estou grávida, o que nos faremos agora?
A minha mãe pensou que o jovem fosse deixá-la, ou qualquer coisa parecida, o que o jovem estudante fez surpreendeu a todos. Ela pediu a atenção de toda a família, e lhes revelou tudo, o namoro com a empregada, a gravidez. A reação dos familiares foi muito dura, disseram que ele estava louco em namorar uma empregada, e que o suposto filho não era dele, que aquilo era golpe da barriga, resumindo… A noite foi um desastre, a minha mãe foi demitida na mesma hora, o namorado, de tão revoltado que ficou saiu de casa tempos depois jurando desaparecer para sempre, e de fato foi o que ele fez; saiu da vida da sua família, da vida da minha mãe, e da minha própria vida que ainda nem havia chegado.
O tempo passou, e como costumam dizer; "O tempo é o senhor de todas as coisas, ele é quem determina tudo". Por anos eu procurei sem sucesso pelo meu pai, a única coisa que eu sabia a seu respeito era seu primeiro nome, Carlos, e que tinha olhos azuis como os meus. A minha mãe nunca foi a favor de que eu o encontrasse, mas eu queria conhecer quem era o meu pai, eu não tinha raiva dele, eu apenas queria conhecê-lo.
Passaram-se trinta anos, era noite de natal, na ocasião, eu estava na casa de um amigo, na cidade distante da minha. A noite estava tranquila, muitas bebidas, muitas mulheres, eu bebi exageradamente, como sempre, tanto que fui parar desacordado no hospital da cidade, havia apenas um médico plantonista. E foi justamente esse médico que salvou a minha vida, tive duas paradas cardiorrespiratórias, fiquei a noite de natal toda no hospital, pela manhã, já recuperado, o médico veio me ver. Um senhor muito simpático por sinal, quando ele se debruçou para me verificar, notei que seus olhos eram azuis como os meus, notei também o seu nome no crachá, estava escrito. Carlos Sanz/ cardiologista. Naquele momento o meu coração já desconfiado, começou a suspeitar, e qual não foi a minha surpresa, quando o médico, em uma conversa despretensiosa, contou um pouco da sua história. Enquanto ele me examinava, lágrimas corriam como cachoeira de meus olhos, ele sem entender nada perguntou-me:
- Porquê você chora tanto meu jovem, você está com dor?
Me recompus, lhe respondi:
- Não estou com dor doutor.
- O quê foi então?
- Me permite algumas perguntas pessoais?
- Não costumo dar tal liberdade a meus pacientes, mas, é Natal, concedo-lhe essa liberdade. O que deseja saber?
- O nome dessa sua antiga namorada, mencionada ainda pouco, por um acaso não é Maria do Rosário. Morena alta, olhos cor de mel. Trabalhou no ano de oitenta e dois na casa do então médico, doutor João Magno Sanz.
- Mais como você sabe esses detalhes, eu nunca contei a ninguém essas coisas… Esse médico, João Magno, era o meu pai, já falecido. Como por Deus, você sabe os detalhes dessa história?
Naquele momento, já desconfiado, o médico deixou escapar uma lágrima, então lhe revelei a verdade recém descoberta.
- Eu sou o seu filho doutor Carlos Sanz, Maria do Rosário é minha mãe, ele trabalhou em sua casa, foi o seu grande amor do passado. Desde que me entendo por gente que te procuro, eu sou o seu filho, e finalmente te encontrei, o mesmo natal que um dia nos separou, é o mesmo natal que nos uniu. O senhor é o meu pai, você acabou por salvar a vida de seu próprio filho.
Lágrimas nasceram de nossos olhos, o meu pai, sem saber, salvou a vida do próprio filho em pleno Natal. Não desejo me alongar, resumindo, depois desse dia, recomeçamos uma nova vida.
A minha mãe faleceu há dois anos, ele não teve a oportunidade de pedir perdão, contudo, está se esforçando a cada dia para ser o pai que nunca foi.