Conto das terças-feiras – O destino pregando peça
Gilberto Carvalho Pereira ´Fortaleza, CE. 13 de agosto de 2019
Depois de exaustiva madrugada de trabalho como motorista de aplicativo, Mauro parou em movimentada lanchonete para tomar um cafezinho e continuar esperto, já que o sono teimava em fechar seus olhos pelo peso da fadiga. O caminho para casa era complicado e sempre vagaroso, quando alguns notívagos também voltavam para casa, motoristas desrespeitosos quanto à Lei “se for dirigir não beba”. Para ele todo cuidado era pouco, principalmente levando-se em conta a sua larga experiência de trânsito noturno, sempre fora taxista, desde que completara 18 anos e conseguira tirar sua carteira de habilitação. Agora, com os seus já completos 50 anos de idade, nunca tivera um acidente ao volante.
Entrou em seu carro, ligou o celular e o colocou no suporte apropriado, abriu o aplicativo de GPS e indicou o seu destino, “home”. Era hábito, para ser guiado pelo melhor caminho a seguir, sem congestionamento e sem acidente pela frente. Podia ser até um percurso mais longo, mas sempre mais rápido. Acionou a chave do carro, em seguida o rádio em sua estação preferida, para ouvir músicas. Era assim que sempre voltava para casa. Sua esposa, pensava ele, ainda acordada, o esperava. Ela já ligara duas vezes perguntando a que horas ele voltaria. A resposta era sempre a mesma:
— Já estou a caminho, por que não dorme?
— Não estou com sono, você sabe que só consigo dormir depois que ouço o seu carro entrando na garagem – replicava a esposa.
Durante o trajeto Mauro percebeu um carro trafegando, de ré, em sua direção. Não deu importância, desviou dele e seguiu. Poucos minutos depois percebeu encontrar-se em uma estrada diferente da que ele vinha. Olhou para o celular e não o viu lá, não tinha rádio, silêncio total, nem mesmo o motor de seu carro ele conseguia ouvir. Olhou para o retrovisor e percebeu um passageiro confortavelmente sentado. Assustado, perguntou:
— Não o havia deixado no do hotel, como o senhor ainda está aqui?
O homem não respondeu. Mauro parou o carro e perguntou o que estava acontecendo. Olhou para fora do veículo, percebendo que estavam em um lugar alto e com várias árvores, algumas carregadas de belas e perfumadas flores da primavera.
Os dois homens desceram do carro e foram inspecionar o local. Assustado, Mauro percebeu um carro caído no despenhadeiro. Apontou para o veículo, e assustado, falou:
— Parece com o meu carro, vou verificar o que aconteceu!
— Não vá, a cena é horrível – falou o passageiro sem levantar a voz.
— Mas pode haver acidentados, feridos, retrucou Mauro.
— Os feridos somos nós dois, fomos feridos à bala, que partiu não sei de onde, caímos na ribanceira e morremos, passamos em meio a um tiroteio, concluiu o homem.
Mauro olhou para o carro que vinha dirigindo percebendo não ser o seu carro, um carro diferente, nunca tinha visto igual.
— Não pode ser, como estamos conversando agora?
— Estamos em outra dimensão e você ainda não está pronto para entender isso – completou o homem, mais sereno ainda.
— Então você é um guia espiritual, um santo, ou o quê?
— Eu sou o homem que você pegou no hotel para levar ao aeroporto. Você errou o caminho, e eu não me dei conta, era a primeira vez que visitava o Rio de Janeiro. Acho que você foi traído pelo GPS, ou pelo sono, pois tomou o rumo errado.
— Por que estamos parados justamente aqui, no local do tiroteio?
— Primeiro, porque, ainda vivos, tentei ajudá-lo a sair do carro, você relutava muito, apego do que é terreno, não queria deixar o seu patrimônio sozinho, naquela escuridão. Ficamos perdendo sangue por muito tempo, o que nos levou a uma parada cardíaca.
— Então eu estou mesmo morto? Há quanto tempo? O que será de minha mulher, ela só tem a mim?
— Onde estamos tudo é relativo, a contagem do tempo é bem diferente – disse o homem tentando acalmar o seu interlocutor.
— Quanto à sua esposa, como acontece com todas as pessoas que perdem seus entes queridos, está sofrendo muito, mas essa dor passa. Depois, o que fica na memória são as boas lembranças – concluiu o passageiro.
Confortado pelas explicações ouvidas, o taxista nada mais perguntou. Sorriu para o seu companheiro de infortúnio, acenou-lhe com breve inclinação com a cabeça e se despediu, dizendo:
— Até outra vez, amigo.
Sem resposta, pois o outro já se distanciara do local, Mauro seguiu sem rumo, sem a certeza para aonde ia.